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Alemanha e França vão rastrear artefatos africanos em museus

20 de janeiro de 2024

Fundo de € 2,1 mi bancará pesquisas sobre a procedência de objetos da África subsaariana. Itens de antigas colônias terão prioridade na análise, em ação que poderá ensejar novas devoluções e reparações históricas.

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Pesquisador segura uma escultura de uma cabeça em bronze
Um dos Bronzes de Benin, série de relíquias saqueadas da Nigéria no período colonial. Parte dos artefatos foi restituída pela Alemanha em 2022Foto: Wolfgang Kumm/dpa/picture alliance

A Alemanha e a França vão destinar 2,1 milhões de euros (R$ 11,3 milhões) a um fundo de pesquisa para rastrear a procedência exata de objetos africanos da era colonial mantidos em coleções de museus públicos.

A iniciativa, lançada nesta sexta-feira (19/01) em Berlim pelo centro de pesquisa franco-alemão Centre Marc Bloch, terá duração de três anos e dará prioridade à análise de itens de antigas colônias dos dois países, como Namíbia, Togo e Camarões.

As pesquisas poderão ensejar a repatriação de mais peças saqueadas na era colonial, em um processo de reparação histórica que vem ganhando tração nos últimos anos. A Alemanha, por exemplo, tem se envolvido em diversas ações do gênero, repatriando itens como fósseis de dinossauro e artefatos culturais, além de financiar outras pesquisas no ramo.

Máscaras do povo indígena Kogi
Máscaras do povo indígena Kogi, restituídas pela Alemanha à ColômbiaFoto: Markus Schreiber/AP Photo/picture alliance

"A França e a Alemanha entenderam que essa questão é essencial para o diálogo hoje com países africanos", afirmou Eric-André Martin, secretário-geral do comitê de estudo das relações franco-alemãs no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), ao jornal francês Le Monde.

Para se candidatarem ao financiamento, projetos de pesquisa têm que ser liderados por pesquisadores e museólogos franco-alemães que atuem em parceria com profissionais africanos. "Só eles [africanos] podem nos dizer se os objetos podem ter sido doados ou vendidos espontaneamente por uma comunidade, ou se é impossível que tenham sido simplesmente entregues voluntariamente", pontuou Felicity Bodenstein, membra do comitê científico do fundo, também em declaração ao Le Monde.

Debate ganhou tração nos últimos anos

O debate sobre a restituição de bens culturais africanos ganhou tração na Europa inteira após o presidente francês Emmanuel Macron anunciar em 2017 que faria "todo o possível" para restituir itens saqueados no período colonial.

Em 2021, a França devolveu 26 artefatos ao Benin, mas as repatriações estagnaram desde então. Uma lei sobre a restituição de bens culturais saqueados no exterior, que deveria ter sido aprovada pelo parlamento no final de 2023, acabou barrada pela oposição.

A Alemanha tem visto tendência oposta. E embora o país tenha tido muito menos colônias na África que a França, e por muito menos tempo – o período colonial alemão durou de 1884 a 1919 –, seus museus abrigam um número muito maior de obras saídas de lá.

Em 2022, a Alemanha devolveu à Namíbia 23 antiguidades saqueadas no século 19. Em vez de uma restituição efetiva, porém, os objetos foram cedidos em forma de empréstimo – embora sem prazo definido. A ação gerou críticas, mas a fundação que organizou a ação se defendeu afirmando que a medida foi tomada por razões puramente burocráticas.

Também naquele mesmo ano, o Ministério do Exterior alemão devolveu 22 bronzes à Nigéria. Na época, a ministra alemã da Cultura, Claudia Roth, afirmou que a restituição era o "reconhecimento da injustiça de um passado colonial" e uma tentativa de "devolver a identidade cultural que roubamos".

As peças, datadas do século 16, haviam sido saqueadas originalmente por tropas britânicas em 1987 e representam uma pequena parcela dos 1.130 artefatos roubados do palácio real da cidade do Benin que estão em diversos museus na Alemanha.. Os objetos em bronze, marfim e metais preciosos estão entre os trabalhos artísticos mais importantes da história do continente africano.

Desafio administrativo e diplomático

O tratamento de objetos levados de antigas colônias alemãs é um desafio administrativo e diplomático. Camarões, por exemplo, foi primeiro colonizado pelo império alemão no fim do século 19 e depois invadido e dividido pelo Reino Unido e a França após a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Um projeto para mapear objetos do patrimônio camaronês mantidos em museus alemães, publicado em junho passado sob o título "O Atlas das Ausências" (The Atlas of Absences), identificou mais de 40 mil objetos, mais de 8 mil deles armazenados somente no Museu Linden, em Stuttgart.

Um desses artefatos é o Mandu Yenu, um trono colorido ricamente adornado com pérolas e conchas, que supostamente teria sido presenteado ao imperador alemão Wilhelm 2º pelo Rei Njoya do Reino do Bamum em 1908. A peça está em exibição no Humboldt Forum, em Berlim. No ano passado, o rei camaronês Nabil Mouhamed Mfonrifoum Mbombo Njoy causou frisson ao sentar no trono roubado de seu bisavô durante uma visita ao museu.

ra (ots)