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Agravamento do conflito indígena põe governo Dilma sob pressão

Ericka de Sá, de Brasília5 de junho de 2013

Já elevada pela morte de Oziel Gabriel, tensão cresce em Mato Grosso do Sul com notícia de que outro índio terena foi baleado. Grupos de defesa dos indígenas cobram posição mais concreta do Executivo na questão agrária.

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Foto: Fabio Rodrigues Pzzebom/ABR

A combinação da morte do índio terena Oziel Gabriel, de declarações de ministros e de pressões de produtores rurais resultou em um desconforto para o governo Dilma Rousseff, envolvendo também o Judiciário e entidades de defesa dos direitos dos indígenas.

No Paraná, indígenas invadiram a sede do Partido dos Trabalhadores. No Rio Grande do Sul, estradas foram bloqueadas. Em Mato Grosso do Sul, onde a situação é mais grave, um grupo de cerca de 300 indígenas e representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra marcham, desde o último domingo (02/06), em direção à capital, Campo Grande.

Nos últimos dias, Mato Grosso do Sul vem sendo palco de episódios de tensão entre povos indígenas e proprietários de terras – na terça-feira, um índio da etnia terena foi baleado na região de Sidrolândia, a mesma onde Oziel foi morto em confronto com a polícia.

A marcha rumo a Campo Grande pretende protestar contra a morte – de circunstâncias ainda incertas – de Oziel, assassinado no último dia 30 de maio. Ele era um dos 5 mil indígenas ocupantes da Fazenda Buriti, que fica em terra que ainda passa por longo processo de demarcação. Lá, o grupo utiliza as áreas ocupadas para plantio de subsistência, moradia e práticas culturais. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), peritos trabalham para a apuração dos detalhes do assassinato.

O imbróglio ficou evidenciado na terça-feira (04/06), com as declarações do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ao receber um grupo de mais de cem indígenas no Planalto, ele disse que, para Dilma, a ordem judicial que obrigava a reintegração de posse à força na Fazenda Buriti deveria ser descumprida. Depois, em nota nesta quarta-feira, voltou atrás, disse que se equivocou ao atribuir tal opinião a Dilma, e que tentava, na verdade, “demonstrar a dor da presidente”.

"Um juiz de primeira instância mandou fazer a reintegração de posse, e a presidenta falou para o ministro [da Justiça, José Eduardo Cardozo] que não devia ter obedecido. Uma operação daquelas fatalmente daria em morte. Nós não queremos isso — disse na terça-feira Gilberto, que classificou a morte de Oziel como "desgraça".

Reuniões de cúpula

A morte de Oziel causou grande repercussão na cúpula do governo, e a presidente Dilma Rousseff chegou a convocar uma reunião de emergência com vários ministros, como da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e da Justiça. A reunião aconteceu ainda na sexta-feira, um dia após o assassinato de Oziel.

Desde então, a cúpula do governo trabalha para acalmar os ânimos do lado dos proprietários de terra e dos indígenas. Na segunda-feira, a ministra Gleisi Hoffmann foi recebida pelo secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner.

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Índios da etnia terena, que travam conflito por terra em Mato Grosso do SulFoto: Antonio Scorza/AFP/GettyImages

“Temos uma grande atuação neste campo através do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), além do trabalho de educação e defesa dos povos indígenas. Esperamos que a Funai não se esvazie em sua função, e que as demarcações continuem”, disse o bispo após o encontro.

Também na segunda-feira, o Conselho Nacional de Justiça — órgão de fiscalização do Poder Judiciário — mediou reunião entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o corregedor nacional de justiça, Francisco Falcão, o advogado-geral da união, Luís Inácio Adams, e outras autoridades. Após o encontro, o ministro da Justiça afirmou que a União defende a ampliação do prazo para a reintegração de posse da Fazenda Buriti, que segue ocupada.

"Radicalização da tensão”

Em carta aberta endereçada à presidente e à ministra da Casa Civil, pesquisadores, juristas e representantes de entidades de defesa dos direitos indígenas responsabilizam Gleisi Hoffmann pelo que classificaram de “radicalização da tensão” em Mato Grosso do Sul.

“O governo erra ao escolher lidar com o problema pelo caminho da protelação e do desmonte constitucional das funções da Funai, priorizando aspectos de desenvolvimento econômico e eleitorais frente aos direitos indígenas. Atenta aos direitos humanos e gera mais tensão no conflito indígena brasileiro”, diz a carta.

O documento faz referência a declarações da ministra que teriam sido interpretadas como uma tentativa de diminuir o papel da Funai no processo de demarcação de terras indígenas e incluir no processo entidades de defesa do agronegócio.

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) também se manifestou e classificou o governo Dilma como sendo o que menos avançou na demarcação de terras. “Os povos indígenas, acampados em beiras de estradas ou confinados em reservas diminutas, têm demonstrado uma resistência e uma paciência históricas diante das violências do agronegócio e da parcimônia do Governo Federal”, afirmou o órgão através de nota oficial. A entidade pede que o governo organize uma força tarefa para, dentre outras ações, concretizar processos de demarcação e ouvir as demandas dos povos indígenas.

A ONG Justiça Global também tem atuado na divulgação de cartas de apoio de outras etnias ao povo Terena. “Expressamos nosso apoio à luta Terena, que é uma luta de todos os indígenas do Brasil”, diz uma das cartas, elaborada por representantes da etnia pataxó hãhãhãe.

Em relatório anual, divulgado recentemente, a Anistia Internacional deu destaque ao direito à terra e lembrou que “ativistas e líderes rurais comunitários foram ameaçados, atacados e assassinados. Comunidades indígenas e quilombolas correram mais riscos, submetidos à pressão de projetos de desenvolvimento”.

Cronologia da ocupação

A tensão na Fazenda Buriti, na cidade de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, cresceu a partir de 15 de maio, quando a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul expediu ordem de desocupação da fazenda, que chegou a ser revogada até que uma reunião conciliatória acontecesse entre as lideranças indígenas e os proprietários do terreno.

Sem acordo, nova ordem de reintegração de posse foi expedida pela Justiça, e a Polícia Federal, em conjunto com a Polícia Militar de MS, conduziu a retirada dos indígenas. Foi durante o confronto que ocorreu a morte de Oziel.

O Conselho Nacional de Justiça enviou a Sidrolândia um representante em 31 de maio, um dia após a morte de Oziel. O coordenador do Comitê Executivo Nacional do Fórum de Assuntos Fundiários do CNJ, Rodrigo Rigamonte Fonseca, participou das primeiras reuniões com autoridades e representantes dos indígenas após o episódio.

De acordo com nota técnica assinada por Rodrigo Rigamonte e divulgada na última segunda-feira (03/06), o CNJ apresentou a proposta de que as “hostilidades entre proprietários rurais e comunidades indígenas” cessassem e que o CNJ atuasse com intermediador para que a cúpula do governo recebesse os as lideranças indígenas para uma conversa em Brasília. A reunião deve acontecer nesta quinta-feira (06/06).

O acordo também previa a suspensão de novas ocupações, sendo permitindo aos indígenas a permanência na Fazenda Buriti e na área ocupada da Fazenda Esperança, em Miranda. Entretanto, após o acordo, outras ocupações aconteceram em propriedades vizinhas.