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Admirável agricultura nova

14 de março de 2018

O colunista Alexander Busch queria escrever sobre problemas sociais na agricultura. Ele acabou encontrando um entrevistado que descreveu uma revolução no setor, com a participação de startups agrícolas.

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Laranjas colhidas são lavadas e enceradas em Rio Real, na Bahia
Laranjas colhidas são lavadas e enceradas em Rio Real, na BahiaFoto: Getty Images/Y. Chiba

Na verdade, eu queria falar com Marcos Fava Neves sobre o cultivo de laranjas e a indústria brasileira do suco. Ele é professor titular da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, em meio a uma das regiões agrárias mais importantes do Brasil.

O professor Fava Neves é visto como alguém que fala com todo mundo: com as associações conservadoras de agricultores. Com seus estudantes, de orientação política mais voltada à esquerda. Mas também com políticos de todos os matizes. E com a imprensa – o que, no setor agrário, não é lá muito óbvio. Muitos produtores não gostam de falar sobre o próprio negócio.

Um exemplo são os produtores brasileiros de suco de laranja. Eles evitam qualquer contato com jornalistas. Paradoxalmente, as três empresas do interior de São Paulo controlam o mercado mundial de produtos derivados da laranja. A falta de transparência as torna alvos fáceis: organizações não governamentais europeias afirmam que as companhias movimentam um cartel que prejudica principalmente trabalhadores da colheita e pequenos agricultores.

Neves acha certo que se pressione a indústria. Porém, segundo ele, é errado acusar todo um setor por causa de algumas ovelhas negras que estariam tentando obter o maior lucro possível às custas dos trabalhadores. O professor titular da USP explica que a maioria das empresas trabalha de forma "cada vez mais limpa".

O colunista da DW Alexander Busch
O colunista da DW Alexander BuschFoto: Paulo Fridman

A indústria, continua Neves, não tem alternativa. Ele enxerga que o setor agrário mundial está diante de uma mudança abrangente. Algo que vale também, e especialmente, para o Brasil, importante fornecedor da indústria mundial de alimentos. Em dez anos, nada será como é hoje, prevê o engenheiro agrônomo.

O especialista internacional em planejamento e gestão estratégica cita três palavras-chave: digitalização, economia circular e novas formas da divisão de trabalho. Segundo Neves, no futuro, o agricultor vai executar a semeadura, o controle de pragas, o controle do crescimento e a colheita de maneira muito mais detalhada do que até agora – com auxílio de drones, sensores, câmeras e tratores guiados por GPS. "Não é mais o hectare que será arado, mas o metro quadrado", explica.

Os instrumentos e serviços necessários a esses processos são usados de forma cada vez mais coletiva, "como no Uber". A economia circular, enfim, possibilitaria poupar enorme quantidade de energia, fertilizantes, pesticidas e emissão de dióxido de carbono, afirma o autor e organizador de 55 livros publicados no Brasil e em outros países.

Uma empresa agrícola, explica Neves, poderá adubar as plantações de cana-de-açúcar com o esterco da criação de gado. O bagaço da cana seria usado como material de combustão para vaporizar o suco de laranja e transformá-lo em concentrado. O bagaço da laranja, por sua vez, poderia alimentar o gado. E, assim, o ciclo se fecha.

Fava Neves afirma que essa mudança já está acontecendo. Especialmente consórcios agrários e empresas familiares que passaram por trocas geracionais estariam abertos a novas tecnologias e novas formas de divisão de trabalho.

A resistência vem da mentalidade conservadora dos fazendeiros: tradicionalmente, o agricultor brasileiro se vê como um profissional de sucesso se possuir o maior número possível de hectares, terrenos, tratores e colheitadeiras próprios. Neves explica também que, em muitos setores, os fazendeiros não gostam de se unir. Desconfiam de mudanças e não gostam de deixar transparecer as próprias intenções.

Mas o especialista também afirma que eles não têm escolha: a diferença de produtividade entre a agricultura moderna e a tradicional está ficando cada vez maior. No médio prazo, os fazendeiros da velha guarda precisam arrendar seus solos, porque estão ficando cada vez mais para trás.

Aliás, em breve isso poderia solucionar um problema dos produtores de suco de laranja. Por causa da tecnologia, em pouco tempo as duras condições de trabalho nas plantações de laranja deixarão de ser um obstáculo, acredita o professor. Assim como aconteceu com o café e a cana-de-açúcar nos últimos anos, a produção de laranja deverá ser mecanizada em breve. Neves acredita que haverá colheitadeiras que poderão identificar entre frutas maduras e verdes via nanotecnologia – até agora, esse é o principal motivo para a manutenção da colheita manual no setor.

Olhando para os investimentos maciços de investidores financeiros locais e internacionais em startups brasileiras do setor agrícola, Neves parece ter razão sobre a dinâmica da agricultura. No sudeste e no sul do Brasil, as startups de agrotecnologia brotam feito cogumelos ao lado dos institutos de pesquisa agrícolas e das grandes empresas do setor.

Isso parece contradizer o que eu escrevi na minha última coluna, segundo a qual o Brasil mal oferece ocupação para engenheiros. Mas a agricultura é uma exceção. Por dois motivos: ela é tão importante para a economia do Brasil que o valor agregado e as dimensões do setor fazem o desenvolvimento de tecnologias próprias valerem a pena. Essas tecnologias podem ser diretamente aplicadas em grande escala.

E, em segundo lugar, a agrotecnologia não precisa desenvolver tecnologia de ponta ou pesquisas de base. Trata-se de adaptar soluções existentes. Os desenvolvedores e empreendedores brasileiros são bons nisso, como mostram os exemplos da Embrapa e da Embraer.

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

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