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Entrevista

Soraia Vilela13 de junho de 2007

Roger M. Buergel, diretor artístico da "documenta" 12, diz em entrevista à DW-WORLD que aposta na "intelectualidade das massas" e explica que pretende dar ao público leigo a chance de contextualizar a arte contemporânea.

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Buergel e Noack: 'documenta' para as massas?Foto: AP

Ao lado da mulher, Ruth Noack, que responde pela curadoria da documenta, o diretor artístico Roger Martin Buergel manteve até o último minuto o sigilo a respeito dos artistas participantes da mais importante mostra de artes plásticas do mundo.

Uma forma de se poupar do "jogo neurótico" da mídia e se distanciar do olhar que busca o espetáculo, garante o diretor. Mesmo assim, assume Buergel, não é possível ignorar o caráter de evento da documenta, uma vez que ela se propõe também a ser um espaço aberto a "traduções culturais". Com uma vantagem, porém, observa Buergel: ao contrário de outras mostras que se prestam ao caráter de feiras, a documenta não tem "necessidade de servir os filés do mercado numa bandeja de prata".

Leia abaixo a íntegra da entrevista com Roger M. Buergel:

DW-WORLD: Por ocasião de sua escolha como diretor artístico da documenta, sua promessa era a de uma mostra "leve e legível", sem "catálogos monstruosos", para não assaltar o visitante com um excesso de textos. A promessa está sendo cumprida?

Roger M. Buergel: Nós nos esforçamos para fazer uma exposição que apela para os sentidos. E há também um pequeno catálogo manuseável.

O silêncio mantido em relação à lista de artistas da documenta prometeu um efeito surpresa, que também pode ser entendido como estratégia de marketing. Como você lida com conceitos como espetáculo e evento? Você vê a documenta como um espetáculo, no qual a dramaturgia é o que mais importa?

Não, no sentido de que acredito que a exposição deva refletir sobre sua essência. Uma documenta não precisa ser, ao mesmo tempo, festival de cinema, de dança, mostra de artes plásticas e conferência científica.

Sim, no sentido de que um evento de massa como esse oferece sempre a oportunidade de que se estabeleçam ligações sociais e traduções culturais.

Não divulguei uma lista oficial completa dos artistas antes da abertura da documenta, pois não participo deste jogo neurótico. O olhar atravessado sobre os nomes e a espera pelo efeito estético bombástico deturpam o olhar sobre a arte. Não se trata aqui dos artistas individualmente, mas de uma exposição como um todo. As obras constituem, no espaço onde estão expostas, seu próprio contexto. É nisso que os visitantes deverão se concentrar.

Há uma opção por nomes menos conhecidos, em detrimento daqueles que têm efeito de mídia. Você prefere o singular, no lugar do identificável. É possível realizar uma documenta à margem do mainstream da arte?

Ao contrário da maioria dos eventos de arte da nova burguesia, não temos necessidade de servir os filés do mercado de arte numa bandeja de prata. É claro que somos uma espécie de termômetro no mercado de arte internacional, mas não só isso.

Uma feira paralela à mostra, como ocorre este ano em Veneza, eu jamais permitiria. Não importa se Veneza, Basiléia ou Miami: muitos destes eventos são produzidos a toque de caixa, o que fica visível nas exposições. Mas a arte é infinitamente lenta, não é um toma-lá-dá-cá. Não quero a arte desapaixonada dos oportunistas virtuosos, que criam suas obras da noite para o dia, dão a elas um ar profundo e repetem esse engodo ao longo dos anos.

Você inclui, pela primeira vez na história da documenta, o antigo. Por que isso, na mais significativa exposição de arte contemporânea do mundo?

Só se compreende a arte contemporênea, quando se sabe de onde ela vem. É assim que se adquire uma idéia de para onde ela caminha. Não quero estampar o que é contemporâneo, mas, antes de tudo, mostrar de onde vêm determinadas formas.

E aí é possível recuar até muito mais além do que o ano de 1789: a peça mais antiga que expomos é um desenho persa do século 14, feito no contexto de uma expedição de artistas persas à Casa Imperial chinesa. Percebe-se aí como esses artistas persas tentaram se apropriar de formas chinesas.

E aí você não pode dizer se a obra é de um jovem artista como Kai Althoff ou se ela é do século 14. Você não pode datar. Quero dar à documenta uma nova profundidade, para oferecer também a um público leigo a oportunidade de contextualizar a arte do presente. Tenho, com isso, uma certa responsabilidade, pois recebi [junto com a função de diretor artístico] o mito de formação [do visitante] que a documenta carrega.

A concepção do espaço parece exercer um papel muito importante para você. Novos espaços foram contruídos em Kassel especialmente para a documenta, onde obras de diferentes épocas e provenientes de regiões distintas devem entrar em contato umas com as outras. Você deseja um espaço como mediador ativo entre obra e público?

O espectador adentra um campo, no qual as obras comunicam-se entre si. Ele deve participar desta conversa. Um tipo de intercâmbio deste depende muito da forma de apresentação. Para mim, a discussão sobre a arquitetura da exposição passa principalmente por um ponto: a intenção de que o espectador se concentre no essencial, ou seja, na arte.

O conceito de "vida nua" de Giorgio Agamben é posto no centro da documenta. A partir daí, toca-se em temas como migração e fuga. Até que ponto a interseção entre arte e política está presente na documenta 12?

O político não está em mostrar vídeos onde aparecem soldados infantis, mas tem a ver com a capacidade da exposição de desencadear uma mudança de postura nas pessoas que a vêem. Neste sentido, ela é extremamente política. Entretanto, não escolhemos o conceito de política, mas o de formação, o da intelectualidade das massas.

Para o programa de cinema da documenta 12 foram selecionados 96 filmes, com projeções em salas de cinema. O cinema está recebendo uma atenção maior como obra de arte completa do que nas versões anteriores da documenta?

Exatamente porque o cinema nos é muito caro, ele aparece na documenta apenas de forma pontual. Não queremos enclausurar as imagens em movimento em caixas pretas. Sob o nosso ponto de vista, o filme encontrou seu lugar dentro da mostra: o cinema Gloria, inaugurado [em Kassel] no ano da primeira documenta.

No cenário das artes, é comum teorizar sobre um público entediado, que já viu de tudo. Como é possível superar essa sensação do espectador de já ter visto tudo?

Não se trata de uma fascinação pelo outro, mas, antes disso, de fazer coisas conhecidas aparecerem de outra forma. E tornar próximo aquilo que ainda não se conhece. Queremos fazer com que o espectador olhe com mais atenção.