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A máquina de leituras

Simone de Mello22 de setembro de 2003

Encerrado o 3º Festival Internacional de Literatura de Berlim, que reuniu 150 autores durante 10 dias, para uma maratona de leituras públicas. A crítica questiona a relevância do evento.

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O Prêmio Nobel Günter Grass, com a rainha Margrethe II da Dinamarca, foi uma atração do festivalFoto: AP

"Mas como são as leituras públicas de hoje?" – indagava-se o escritor húngaro Lásló F. Földényi, num artigo publicado no diário taz, pouco antes do início do Festival de Literatura de Berlim – "A primeira coisa que me chama atenção: elas não são nada românticas (...), por terem adquirido algo rotineiro. Primeiro, os escritores lêem rotinizados. Toda semana, todo mês, têm a oportunidade de ler seus textos, até conseguir recitá-los de olhos fechados. Por outro lado, o sistema de leituras públicas é que se tornou rotineiro, acima de tudo. Em nenhum outro espaço lingüístico europeu se desenvolveu tanto uma cultura da leitura pública como na Alemanha. (...) Mas isso não afeta a qualidade literária dos livros lidos. A longo prazo, é duvidoso que isso traga vantagens."

Martin Walser
Der deutsche Schriftsteller Martin Walser im Zuercher Bernhard Theater, aufgenommen am Montag, 17. Mai 1999. Vielleicht um die Zugkraft seines neuen Buches zu steigern, weigert sich der Schriftsteller Martin Walser bislang, den Titel seines neuen Werkes zu nennen. Der Illustrierten "Bunte" sagte der Autor durchaus werbewirksam, der Titel sei so skandaloes, dass er ihn noch nicht nennen wolle. (AP Photo/Keystone, Michele Limina)Foto: AP

Who’s who?

Internacionalizando a máquina de leituras públicas, o 3º Festival de Literatura de Berlim reuniu, de 10 a 21 de setembro, cerca de 150 autores, oferecendo ao público mais de 350 eventos em 27 línguas. Apesar de não ser um evento de high lights literários, o programa não deixou de incluir nomes como os dos detentores do Prêmio Nobel Imre Földényi (húngaro), o sueco Lars Gustafsson, o inglês-indiano Shashi Tharoor e os alemães Günter Grass e Martin Walser. Entre a babel de escritores internacionais menos renomados, o festival certamente não priorizou escritores "representativos" dos diversos países, o que levou a crítica a condenar o evento por falta de critério.

Shashi Tharoor
Under Secretary General for Communications and Public Information for the United Nations, Shashi Tharoor talks to delegates during the US Conference of Mayors in Denver, Friday, June 6, 2003. (AP Photo/Jack Dempsey)Foto: AP

Com ou sem critério, o grande mérito do festival é incentivar a tradução de autores ou textos ainda inéditos em língua alemã. Muitos dos textos lidos, sobretudo de poesia, são traduzidos especialmente para o evento. A "Antologia de Berlim" (Berliner Anthologie), publicada por ocasião do festival, em sua terceira edição, inclui textos sobre Berlim, escritos por autores editados em parte pela primeira vez no país.

O peso institucional

Em comparação com outros importantes festivais de literatura – como os de Toronto, Londres, Roterdã, Mantua e Medellin – o de Berlim é o mais internacional. Resta saber até que ponto a presença simultânea de tantos estrangeiros na capital alemã pode contribuir para a literatura local se reciclar, tornando-se mais permeável a outras vozes e influências. A maratona das leituras públicas certamente contribui para abrir os ouvidos a diferentes dicções, mas dificilmente pode salvar a produção literária local do peso da institucionalidade da qual reclamou o húngaro Földényi.

O Festival Internacional de Literatura de Berlim é subvencionado com 450 mil euros pela Fundação Cultural da União, uma quantia suficiente para fazer a opinião pública questionar a relevância do investimento, sobretudo em um período de vacas tão magras para a cultura. Muitos passaram a questionar até que ponto este tipo de apoio institucional realmente contribui para o desenvolvimento das artes. Como julga Földényi, "talvez isso até impeça que a literatura cresça, assim como o exagerado amor materno pode dificultar que a criança mimada se torne adulta."