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A insurreição da periferia

Barbara Schulte (sv)3 de novembro de 2005

Conflitos entre policiais e grupos de jovens nos subúrbios de Paris trazem à tona o fracasso da política francesa em relação à integração dos imigrantes. Barbara Schulte comenta:

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Paris: carros incendiados e polícia em açãoFoto: AP

As explosões sociais dos últimos dias nas ruas de Paris não deveriam supreender ninguém. Pois nos últimos anos já havia sinais nítidos que poderiam levar qualquer um a imaginar tal cenário. A atual crise, que vem à tona através da gerrilha entre jovens e a polícia, disseminando o medo e o pavor entre a população, tem suas razões.

Espécie de guerra civil

Unruhen in Frankreich Clichy
Veículo em chamas no subúrbio parisiense de Aulnay-sous-BoisFoto: AP

Essas razões são tão presentes, que a morte acidental de dois jovens há uma semana foi suficiente para desencadear cenas que se assemelham a uma guerra civil. A primeira dessas razões é a crise econômica e o conseqüente desemprego.

Embora a economia francesa, nos últimos anos, tenha se mantido até mesmo mais estável que a alemã, isso não contribuiu para reduzir nem um pouco o alto índice de desemprego, principalmente entre os imigrantes e seus descendentes.

Efeitos inevitáveis

E um contexto de desemprego crônico leva, obviamente, aos mais diversos infortúnios, principalmente ao radicalismo religioso, à violência, à formação de gangues e à dependência de drogas.

Uma situação que pode ser observada não apenas nos bairros de arranha-céus habitados predominantemente por imigrantes na periferia das grandes cidades francesas, entre elas Paris.

Cidadãos de segunda classe

Immigranten in Spanien
Imigrantes: vistos como massa anônima de indesejáveisFoto: AP

Além disso, não se há de esquecer o crescimento do racismo na França, que pode ser notado não apenas no número de votos que os extremistas de direita do Front National de Jean-Marie Le Pen recebem. O racismo cotidiano faz com que os imigrantes sejam tratados como cidadãos de segunda classe.

Pedir emprego sendo negro ou tendo um nome que soa árabe é muitas vezes a certeza de uma resposta negativa. E quem ainda vem de um dos chamados "bairros sensíveis" dos arredores de Paris acaba não tendo chance alguma de ascensão social ou de perspectiva de um futuro profissional em outras regiões.

Indiferença do governo

EU-Referendum Frankreich Präsident Jacques Chirac pessimistisch abwartend ängstlich
Jacques Chirac: indiferença até o último minutoFoto: AP

Desta forma, os migrantes de terceira geração só conhecem uma realidade, constituída há décadas pela pobreza, desemprego e exclusão social. Para combater esta realidade, os últimos governos do país – com exceção do socialista Lionel Jospin, que permaneceu no poder entre 1997 e 2002 – não fizeram absolutamente nada. Nem ao menos tentaram.

Ao invés disso, os líderes políticos preferiram fechar os olhos, ignorando os gritos cada vez mais altos dos guetos das grandes cidades. Em 1995, Jacques Chirac se tornou presidente da França, após ter prometido diminuir o abismo entre as classes sociais no país. No entanto, este abismo só cresceu desde então.

"Lixo humano"

Nicolas Sarkozy, französischer Wirtschafts- und Finanzminister
O linha-dura Nicolas Sarkozy: ele próprio filho de imigrantesFoto: AP

Agora, a situação explode em diversos pontos. Os jovens enfurecidos vêem em todos os grupos de uniformizados – até mesmo nos bombeiros – representantes de um Estado que os ignora. Numa situação destas, o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, responde simplesmente com um populismo calculista.

Sarkozy, ele próprio filho de imigrantes, pretende se tornar presidente francês em 2007. De olho no posto, ele chama os jovens revoltados da periferia de "gentalha, contra a qual tem que se agir com jatos de alta pressão". Para ele, os habitantes dos bairros pobres de Paris não passam de lixo humano, que tem que ser jogado fora.

Populistas radicais

E esta postura parece agradar a uma parcela não pouco representativa da população francesa. Entretanto, os problemas dos guetos formados pelas camadas não privilegiadas da população não podem ser simplesmente eliminados com medidas de força.

Para contornar a situação, um governo precisa de propostas claras, respeito mútuo e de mais que promessas vazias. Agora, até mesmo o presidente Jacques Chirac, enfraquecido politicamente, começou a entender a questão.

Ele faria um grande favor ao país se acalmasse os ânimos de seu concorrente Sarkozy. Não para salvar sua cadeira presidencial, mas para evitar que a França acabe caindo nas mãos de populistas radicais.