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A arte traumática e intensa de Gershuni

Marco Sanchez19 de setembro de 2014

Com pinturas cheias de cores e simbolismos, mostra "No Father No Mother", em Berlim, explora fase neo-expressionista de um dos mais polêmicos artistas israelenses.

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Foto: Moshe Gershuni, courtesy Givon Art Gallery Tel Aviv

As relações e as reflexões feitas pelo artista israelense Moshe Gershuni durante sua extensa carreira são marcadas pelo caráter político. E não poderia ser diferente em No Father No Mother (Sem pai, sem mãe), primeira grande retrospectiva do artista num museu europeu em mais de 30 anos, em cartaz na Neue Nationalgalerie de Berlim.

"Suas pinturas evocam o assombro e até noções opressivas de desapego, ligadas aos horrores e atrocidades que aconteceram durante o século 20", diz Udo Kittelman, diretor da Neue Nationalgalerie.

A mostra reúne oito séries, que incluem, em sua maioria, pinturas em papel, e também uma série em cerâmica. Numa delas, todas as oito obras têm a palavra soldado no título.

Deutschland Ausstellung Moshe Gershuni No Father No Mother in Berlin
A obra "No Father No Mother" deu nome à retrospectiva em BerlimFoto: Moshe Gershuni, courtesy Givon Art Gallery Tel Aviv

Além de elementos políticos, a expressiva arte de Gershuni carrega aspectos históricos e religiosos – o que polariza opiniões, principalmente em Israel. No entanto, mesmo o mais apolítico dos espectadores consegue mergulhar no colorido e intenso mundo criado pelo artista.

"Era uma vez pobre garoto sem pai e sem mãe. Tudo estava morto, e não havia mais ninguém em todo o mundo. Tudo estava morto." A citação de Woyzeck, do escritor alemão Georg Büchner, serviu de inspiração para um dos trabalhos de Gershuni e também para o nome da exposição em Berlim.

"O artista é um órfão. Ele não tem raízes. Veio e vai para lugar nenhum. Citar o pai da literatura expressionista alemã é uma espécie de paradoxo, já que Gershuni se vê um pouco como um filho de Büchner. Assim, ele pode inventar sua tradição, seu contexto. O que começa definitivo, categórico e negativo, se abre para se tornar algo muito ambíguo", opina Ory Dessau, curador de No Father No Mother.

Forte simbolismo

Filho de judeus poloneses que imigraram para a Palestina, Moshe Gershuni nasceu em Tel Aviv em 1936, onde viveu e trabalhou durante toda sua vida. Seu papel no mundo artístico do país pode ser descrito como heróico. E, com seus soldados e o vermelho de sua obra, esse papel foi de extrema importância.

Deutschland Ausstellung Moshe Gershuni No Father No Mother in Berlin
Moshe Gershuni produziu obra carregada de elementos políticos, históricos e religiososFoto: Uri Gershuni

O artista realizou sua primeira exposição individual em 1969, no Museu de Israel. Durante os anos 1970, enquanto lecionava na Academia de Arte e Design de Bazalel, ele se tornou uma das figuras principais do rumo conceitual que a arte havia tomado no país. Nesse período, Gershuni foi um artista com uma missão. Como conceitualista, explorou materiais alternativos e trabalhou bastante com o mundo imagético das palavras e o significado gráfico das letras.

A retrospectiva em Berlim conta com apenas um trabalho dessa fase: a instalação Quem é sionista e quem não é, cujo título é escrito em vermelho na parede, em letras hebraicas. A pergunta proposta pelo artista não trata os opostos de maneira artificial ou construída abstratamente, mas tem uma urgência que desafia o espectador a tomar um partido. A atual situação de Israel e as tensões em Gaza trazem urgência e atualidade para uma obra produzida há 35 anos.

"Nossa exposição começa em 1980, um ano muito importante para Gershuni. Depois de uma década como um bem-sucedido artista conceitual, com um trabalho baseado na linguagem, ele passou por uma crise pessoal e rejeitou a abordagem conceitual, material e linguística da arte. Ele escolheu, então, um caminho erótico e físico, o que muitos consideram uma forma neo-expressionista de pintura", explica Dessau.

Deixando para trás as estruturas linguísticas, Gershuni se reinventou como um intenso pintor, mudando o prisma de seu simbolismo para uma pintura desinibida. As erupções de manchas e os simbolismos gráficos se tornaram a marca registrada de seu trabalho.

Pintando com o corpo

Gershuni mergulhou, literalmente, de corpo e alma em sua nova fase. "Ele começou a utilizar um método muito particular, com o qual cobre o chão com folhas de papel e passeia por cima delas de quatro. Como um bebê ou um animal, o artista pinta com as mãos, os joelhos e com todo o seu corpo nu, sem utilizar nenhum tipo de pincel", diz o curador.

O novo método torna o trabalho explosivo. O que era conceitual nos seus primeiros trabalhos ganha contornos físicos e psicológicos difíceis de serem definidos, mas fáceis de serem apreciados.

Durante as décadas de 1980 e 1990, Gershuni declara que sua pintura se tornou performance, como defecar ou ejacular, uma espécie de ritual de sacrifício pagão, um show de drag, um sermão profético, um número musical, uma oração judaica ou um sacramento.

Deutschland Ausstellung Moshe Gershuni No Father No Mother in Berlin
A série "Soldados" brinca com os limites entre o pesadelo e o lúdicoFoto: Moshe Gershuni, courtesy Givon Art Gallery Tel Aviv

O simbolismo aparece de maneira clara através de ícones como a estrela de Davi, as suásticas nazistas ou a estrela islâmica, mas eles são envoltos em cores vibrantes, contrastes subjetivos e referências abstratas, que podem ganhar complexidade psicológica ou se aproximar da simplicidade dos sentidos ao contemplar a natureza. Esses símbolos enchem seu trabalho de fé e dúvida, evidenciando sua forte dualidade.

"Ele investigou o significado do que é ser judeu na arte e se existe uma estética judia ao se produzir um trabalho artístico. Na época, isso era algo muito radical para se fazer em Israel, e continua sendo algo radical para se fazer num lugar como a Neue Nationalgalerie", afirma Dessau.

A retrospectiva da fase neo-expressionista de Gershuni é acompanhada por uma série de palestras e debates com personalidades da vida cultural e científica berlinense. Entre elas estão o diretor da Berlinale, Dieter Kosslick, e o ator Hanns Zischler, que discutirão a vida judaica contemporânea na Alemanha, em Israel e no mundo.

No Father No Mother fica em cartaz na Neue Nationalgalerie de Berlim até 31 de dezembro.