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10 de novembro de 1904

Augusto Valente10 de novembro de 2015

Em 10 de novembro de 1904 o próprio compositor apresentava em Berlim seu Opus 39. A enigmática obra emprega uma combinação rara – piano solista, orquestra e coro – e escandalizou na época por sua "cacofonia".

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Busoni ao pianoFoto: picture-alliance / maxppp

O compositor, pianista e teórico musical Ferruccio Busoni estabeleceu-se em 1894 em Berlim. Entre suas inúmeras iniciativas artísticas, ele organizou uma série de concertos sinfônicos alternativos, dedicados inteiramente a obras contemporâneas ou raramente executadas.

Entre 1902 e 1909 realizaram-se 12 programas, incluindo tanto os novos Claude Debussy, Eugène Ysaye, Hans Pfitzner e Béla Bartók, como Franz Liszt ou Hector Berlioz, veteranos porém (ainda) incômodos.

Aclamado como executante do repertório clássico-romântico, Busoni era ao mesmo tempo extremamente rigoroso em relação ao ouvinte de música nova, do qual exigia inteligência e curiosidade. Num de seus escritos, comentaria: "O público não sabe, nem quer saber, que para receber uma obra de arte a metade do trabalho cabe ao receptor."

O marco Schoenberg

Diversas vezes o compositor toscano considerou incluir no programa o então enfant terrible Arnold Schoenberg, recuando, contudo, diante do conservadorismo dos berlinenses. Ainda assim, essa amizade musical é mais um testemunho da postura progressista de Busoni.

Ele se ocupou intensamente das Klavierstücke op. 11 do revolucionário vienense, estudando-as, discutindo-as e até reelaborando a peça nº 2, numa "versão de concerto". Após a morte de Busoni, Schoenberg o sucedeu à frente da master-class de Composição da Academia Prussiana das Artes de Berlim.

A publicação em 1907 do Entwurf einer neuen Ästhetik der Tonkunst (Esboço de uma nova estética da arte sonora), pelo editor Carl Schmiedel, em Trieste, representa um marco para a arte de vanguarda. E um problema insolúvel para a recepção da figura de Ferruccio Busoni.

Esboço polêmico

Em seu escrito visionário, ele faz desfilar um universo hipotético de melodias, harmonias, ritmos, escalas, formas e instrumentos musicais jamais ouvidos ou sequer imaginados. Como um teclado onde a oitava é dividida em 18 ou 36 intervalos (em vez dos usuais 12 semitons!).

Ferruccio Busoni / Foto 1887
O compositor aos 21 anos de idadeFoto: picture-alliance / akg-images

Parte dessas visões só se cumpriria várias décadas mais tarde, com o advento da música eletroacústica. Outras possivelmente permanecerão para sempre no fértil campo da utopia.

Entretanto, em suas composições reais, o toscano não se afastou tão radicalmente quanto se esperaria dos preceitos da forma clássica e da emoção romântica. Pelo contrário: seus modelos continuaram sendo Mozart e Bach (um exemplo óbvio é a Fantasia contrappuntistica para dois pianos, de 1910).

Seus avanços concretos parecem negligenciáveis, diante da ousadia da contemporânea Segunda Escola de Viena (Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern) ou de Igor Stravinsky. O veredicto das histórias da música sobre Busoni costuma ser sumário e condescendente: "um compositor neoclássico".

Tarantela, poesia e originalidade

Tal discrepância deu ensejo, por exemplo, a uma maldosa comparação do compositor Hans Pfitzner, em seu artigo O perigo futurista: esboço de uma nova estética, onde diz que Busoni seria como um romance de Jules Verne, com suas "promessas transcendentais e sextos de tom".

A contradição busoniana entre teoria e prática confunde e frustra até hoje certos críticos: é impossível reduzi-lo a uma ideologia ou sistema, e isso basta para transformá-lo numa figura problemática.

Mas, quem sabe, sua inovação esteja justo nessa ambivalência e nas entrelinhas? Pois, caso fosse tão reacionária assim, sua música dificilmente provocaria escândalos como o que marcou a estreia do Concerto para piano e orquestra com coro masculino op. 39, em 10 de novembro de 1904, em Berlim, tendo o próprio Busoni como solista.

Neoclássico cacofônico ou vanguardista retrógrado?

Trata-se de uma obra de exceção, não apenas um marco na trajetória do toscano como uma pequena revolução na história da música. O Opus 39 é composto em cinco movimentos, um dos quais é uma tarantela, dança típica do sul da Itália. No último, o coro canta um fragmento do poema Aladdin, do dinamarquês Adam Gottlob Oehlenschläger.

Devido à combinação instrumental rara, às dimensões do corpo orquestral e à enorme dificuldade técnica para solista e demais intérpretes, o concerto é raramente executado. Mais de 100 anos após sua estreia, não se registram muito mais do que uma dezena de gravações da obra.

O musicólogo Klaus Kropfinger relata que a apresentação terminou em "tumulto selvagem". E o comentário do crítico musical do Tägliche Rundschau, na época, soa como a glória de um vanguardista: "Ao longo de cinco movimentos fomos inundados por um dilúvio de cacofonia. [...] Foi horrível!".