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José Eduardo dos Santos: Ditador ou arquiteto da paz?

António Cascais
8 de julho de 2022

José Eduardo dos Santos foi, sem dúvida, a figura que mais marcou a história de Angola pós-independência. "Um autocrata discreto", dizem uns. "Um dos chefes de Estado africanos com mais anos de poder", afirmam outros.

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Foto: Paulo Novais/EPA/dpa/picture alliance

José Eduardo dos Santos, que foi Presidente de Angola durante 38 anos, entre 1979 e 2017, cumprindo uma das mais longas presidências do mundo, faleceu hoje (08.07), numa unidade de cuidados intensivos numa clínica em Barcelona, Espanha, onde estava internado, após doença prolongada.

"Zedú", alcunha pela qual era conhecido, nasceu a 28 de agosto de 1942, alegadamente no bairro luandino de Sambizanga. Na altura, Angola era uma colónia portuguesa e ainda não se vislumbrava qualquer movimento de libertação. Em 1958, com apenas 16 anos de idade, José Eduardo dos Santos junta-se a um recém-fundado movimento de libertação que, em 1961, viria a abraçar a luta armada contra o colonialismo português: o Movimento para a Libertação de Angola (MPLA).

Cedo José Eduardo dos Santos opta por abandonar o país, exilando-se na República do Congo e, mais tarde, transitando para a então União Soviética, onde tira um curso de engenharia de petróleos. Só em 1970 regressa a Angola. 

Em 1975, logo após a independência, José Eduardo dos Santos assume responsabilidades governamentais, ocupando o cargo de ministro das Relações Exteriores.

O MPLA transformara-se em partido político, defendo um sistema de partido único. Em 1979, depois da morte de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos assume o cargo de chefe de Estado e presidente do MPLA.

Visita de estado à República Democrática Alemã em 1981: nos anos 80, o MPLA de José Eduardo dos Santos ainda era um partido marxista-leninista
Visita de estado à República Democrática Alemã em 1981: nos anos 80, o MPLA de José Eduardo dos Santos ainda era um partido marxista-leninistaFoto: Bundesarchiv/Bild 183-Z1012-019/R. Mittelstädt

Os anos da guerra contra a UNITA

A guerra civil, contra os rebeldes da  União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), constitui o maior quebra-cabeças para o regime angolano e também para José Eduardo dos Santos. A população sofre: fala-se em cerca de um milhão de vítimas mortais, milhões de deslocados, centenas de milhar de mutilados. A guerra só acaba em 2002, depois da morte em combate do líder da UNITA, Jonas Savimbi.

Segundo João Pinto, um dos históricos do MPLA, José Eduardo dos Santos deve ser recordado como "arquiteto da paz" em Angola: "Poucos líderes em África tiveram este percurso. Normalmente os líderes em África nasceram de um golpe de Estado ou mantiveram-se no poder sem fazer grandes reformas e tiveram derivas autoritárias, ao contrário do Presidente Eduardo dos Santos. Estamos perante um líder raro", afirma.

Mas há também muitas vozes críticas: José Eduardo dos Santos ficou demasiado tempo agarrado ao poder, afirmam os críticos dentro e fora de Angola. O MPLA, entretanto, foi vencendo confortavelmente as eleições - em 2008 e 2012 - e José Eduardo dos Santos manteve-se no poder, apesar da oposição regularmente se queixar de falta de igualdade de oportunidades.

Que influência terá JES no cenário político angolano?

"Sistema Zedú": Controlo total do Estado

O seu poder é quase ilimitado, dizem ainda os críticos. "Zedú controla o Parlamento, o governo, o sistema judicial e ainda a maior parte da comunicação social", lembra Pedrowski Teca, um dos jovens ativistas do denominado movimento revolucionário.

"Eu nasci em 1986. Nesse ano, o Presidente José Eduardo dos Santos já estava há muito tempo no poder. Angola é um país em que reina um pensamento único. É uma ditadura travestida de democracia. Aqui uma pessoa, para ter sucesso na vida profissional, na vida académica, tem que pertencer ao partido no poder", lamenta.

Outra crítica lançada contra o ex-Presidente: José Eduardo dos Santos sempre controlou por completo a economia do país. Oficialmente o seu partido abandonara o modelo económico marxista-leninista nos anos 90, sendo introduzido um sistema multipartidário e de economia de mercado, mas só em teoria.

De qualquer das formas inicia-se em Angola, a partir de 2002, uma fase de acentuado crescimento económico. Angola, entretanto, continua a apostar no principal recurso, o petróleo, e passa a abrir-se a outros parceiros, sobretudo à China, que concede a Angola créditos de biliões de dólares, aceitando como garantia parte dos recursos petrolíferos do país.

Durante quase 40 anos, o MPLA foi dominado por José Eduardo dos Santos
Durante quase 40 anos, o MPLA foi dominado por José Eduardo dos SantosFoto: António Cascais/DW

Distribuição da riqueza entre amigos e familiares

Entretanto, a corrupção continua a alestrar durante o "reinado" de José Eduardo dos Santos, que distribui as riquezas do país pelos amigos no partido, nos círculos militares e de segurança de Estado - e sobretudo por parentes e familiares.

Mesmo assim, José Eduardo dos Santos, rejeita qualquer acusação de falta de transparência. Num discurso sobre o estado da nação, proferido em 2013, o então chefe de Estado angolano proferiu as seguintes palavras: "Neste processo de luta contra a corrupção há uma confusão deliberada, feita por organizações de países ocidentais para intimidar os africanos que pretendem constituir ativos e ter acesso à riqueza. De um modo geral cria-se a imagem de que um homem africano rico é corrupto ou suspeito de corrupção. Mas não há razão para nos deixarmos intimidar."

Faleceu esta sexta-feira (08.07), aos 79 anos, José Eduardo dos Santos, um homem que durante mais de quatro decénios marcou o seu país: Angola. 

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