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Médica moçambicana distinguida na Alemanha

Cristina Krippahl22 de janeiro de 2016

É inédito que um médico moçambicano receba um prémio alemão pela excelência do trabalho desenvolvido no seu país. A moçambicana Noorjehan Magid é a excepção que confirma a regra.

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Foto: DW/M. Müller

A médica moçambicana, Noorjehan Magid, responsável clínica do programa DREAM de combate à SIDA da Comunidade Sant'Egídio em Moçambique, foi distinguida, na Alemanha, com o prémio Klaus-Hemmerle 2016 da organização cristã Movimento Fokolar. O júri que lhe atribuiu a distinção realça que pretende honrá-la pelo trabalho desenvolvido na luta contra a SIDA, mas também pelo empenho desta médica muçulmana em desenvolver um trabalho conjunto com cristãos e seguidores de outras crenças no seu país.

A dra. Magid visitou os estúdios da DW África em Bona antes de seguir para Aachen, para receber o prémio esta sexta-feira, 22 de janeiro. Pretexto para uma conversa sobre o seu trabalho e os novos desafios que se avistam no âmbito da luta contra a SIDA em Moçambique.

DW África: O que representa para si este prémio?

Deutsche AIDS-Stiftung Sant’Egidio
Noorjehan Magid numa visita prévia à Alemanha. Ao seu lado Ulrich Heide, da Fundação Alemã contra a SIDA, e, à direita, Dieter Wenderlein, coordenador de projeto da comunidade de Sant'Egídio em MoçambiqueFoto: Sebastian Zimer/Deutsche AIDS-Stiftung

Noorjehan Magid (NM): Foi uma surpresa, eu não esperava. Mas posso-lhe dizer que é bom ser reconhecido naquilo que a gente faz. Sentimo-nos bem. Por outro lado eu penso que tem milhares de pessoas à minha volta que fazem um trabalho melhor que eu. Então, porquê eu?

DW África: Um dos motivos apontados pelo júri que lhe discerniu este prémio é a harmonia interreligiosa que caracteriza o seu trabalho. Parece-lhe que é algo que merece o destaque?

NM: Sim, tenho doentes que têm várias religiões, várias fés. Muitas vezes não é fácil combinar o tabu doença/tratamento com a parte religiosa. Tem sido um esforço muito grande, sim. Não podemos ofender ninguém em termos religiosos. Temos que respeitar todas as religiões, estarmos lado a lado. Eu mesmo sou muçulmana e trabalho, por exemplo, com a comunidade Sant'Egídio, que é uma comunidade católica. Estamos lado a lado a trabalhar nesse objetivo, que é melhorar a qualidade de vida dos moçambicanos. É uma área de muitos desafios. Eu faço aquilo que eu penso que tem que ser feito sem ofender ou magoar ninguém, sem obrigar ninguém a sair da sua religião. Muito pelo contrário, eu acho que não interessa a religião que for, mas ajuda muito na cura da pessoa. Porque eu acho que uma pessoa que tem fé consegue entender e consegue tratar de si próprio melhor que ninguém.

DW África: O facto de ser mulher traz-lhe vantagens ou desvantagens no seu trabalho?

NM: Eu penso que é uma vantagem, sim, porque nós, as mulheres, somos mais sensíveis. Não diria mais humanas, mas nós temos um humanismo muito grande, não somos pessoas frias. Isso traz muita sensibilização para a área em que eu trabalho. Consegue-se sensibilizar mais as mulheres. Elas conseguem entender o porquê deste tratamento, o porquê deste seguimento. Elas conseguem tornar-se mais sensíveis do ponto de vista de saúde não só delas, mas da sua própria família. Quando digo família refiro-me aos filhos. Elas não são egoístas que se tratam só a si próprias, trazem os filhos para serem tratados. Conseguem trazer os seus maridos e os seus parceiros para se fazer o tratamento. Então ser uma mulher para mim é uma vantagem.

Blutproben HIV AIDS Mosambik Afrika
Provas de sangue para diagnóstico do HIV em MoçambiqueFoto: DW/E.Silvestre

DW África: E é uma desvantagem quando trata com homens?

NM: Não, porque nós somos muito fortes, mas podemos ter aquele feitio de darmos um aspeto muito frágil. E os homens gostam desta parte das mulheres quando elas mostram que são frágeis. E isso, nós, as mulheres, temos que usar como vantagem para podermos alcançar os nossos objetivos, que, neste caso concreto, é trazer os homens para o tratamento e para a luz.

DW África: Um outro aspeto do seu trabalho prende-se com a luta pelo direito das mulheres com HIV. Quais são os direitos pelos quais tem que lutar?

NM: Como sabe, a SIDA foi vista por muito tempo como uma doença do mal. E como é uma doença do mal, ninguém tem direito à vida, ninguém tem direito a nada. As pessoas condenam sem saber, sem se aperceberem do porquê daquela doença. Pensam que os doentes têm essa doença porque andaram no caminho do mal. E nem sempre isso é verdade. E eu sempre parto do princípio de que nós não somos ninguém para condenar. Nós só temos que fazer aquilo que tem que ser feito. Porque nós também temos os nossos próprios defeitos. O que eu vi nesta área são doentes muito carentes, debilitadas em vários aspetos. Não é só na saúde, mas também no aspeto económico, no social e até no mental. Então é preciso dar direito e dignidade a essas mulheres. Porque só assim elas serão capazes de agir. A cura desta doença não é só a medicação. Mas é controlar e tentar ajudar em todas as outras vertentes que o HIV traz. Então, lutar pelo direito dessas mulheres faz parte da cura.

DW África: Tem exemplos de mulheres que conseguiram superar não só a doença, mas toda a situação económica e social que ela tende a criar?

NM: Eu estou nesta área desde 2001. Tenho várias experiências. Tenho pessoas que chegaram até mim com o resultado do teste do HIV na mão e perguntaram: "Será que eu amanhã tenho que ir fazer o testamento?" Eu olhava para a pessoa e ria-me. "Se você quer fazer o testamento faz porque quer fazer, não tem nada a ver com a doença". Hoje, essa pessoa chega ao pé de mim e eu brinco: "Já fez o seu testamento?" E ela responde: "Ah não, doutora, ainda não, estou a pensar". Só para lhe dizer que são pessoas que, quando chegam às nossas mãos, chegam em desespero a pensar que vão morrer amanhã. Tenho pessoas que começaram a estudar e hoje são médicos, professores, engenheiros. Ainda esta semana recebi uma chamada dos colegas dos centros de saúde a perguntar se podemos dar medicamentos para mais tempo, porque tem alguém que vai fazer um doutoramento ou um mestrado fora do país. Aquela fase em que se pensava que "a doença me vai matar e eu tenho que fazer o testamento" já passou. Hoje as pessoas fazem o tratamento, estão bem, é um avanço, e tenho muitos exemplos para lhe dar.

Mosambik Aids
Campanha contra a SIDA em MoçambiqueFoto: AP

DW África: Há também ainda áreas em que sente que muito ou mais tem que ser feito?

NM: Sim. Agora nós estamos perante um outro desafio. Em 2001 e 2002, havia uma necessidade de salvar a vida às pessoas doentes. Havia um tratamento, e o que nós tínhamos que fazer era pôr as pessoas em tratamento para elas ficarem bem. Hoje essas pessoas já trabalham, já têm as suas vidas, fazem filhos, têm uma vida normal, como qualquer um de nós. Tomam os medicamentos contra a doença crónica. Mas já começam a desenvolver as outras doenças crónicas que podem vir a ter. Por exemplo, hipertensão, diabetes, cancros. Este é o novo desafio que o DREAM tem: Tentar prevenir todas as outras doenças que estão à volta do próprio HIV. O novo desafio é a deteção precoce, a prevenção e o tratamento o mais cedo possível, para se evitar outro tipo de desastres.

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DW África: Se o prémio incluísse a realização de um desejo na sua área, qual seria esse desejo?

NM: Com tanta coisa que eu quero … (risos). Se fosse possível eu gostaria de ter todos os meios para poder fazer isto, que é responder a essa nova fase, a esse novo desafio do DREAM, que é a deteção e o diagnóstico precoce, por exemplo, dos cancros. Acho que isso é uma das coisas pelas quais nós ainda temos que lutar muito.

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