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Peça sobre marrabenta explora “emancipação da identidade”

Daniel Pinto Lopes / Marina Estarque18 de junho de 2013

Panaíbra Gabriel Canda, de 37 anos, começou a interessar-se pela marrabenta quando tinha 17. Desde então bebeu o conceito e a filosofia da marrabenta para, a partir daí, conseguir desconstrui-la.

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"Time and Spaces: The Marrabenta Solos"Foto: Nicholas Meisel

O resultado final chama-se “Time And Spaces: The Marrabenta Solos”. A performance começa com uma série de interrogações existenciais. De costas para o público e realizando uma série de movimentos corporais, Panaíbra interroga-se sobre aquilo que realmente é – um cidadão da Província Ultramarina de Portugal (na era colonial), um cidadão da República Popular de Moçambique (na época comunista) ou um cidadão da República de Moçambique (no período democrático).

Panaíbra faz ainda referência à tribo dos Bitonga, da qual o pai é originário, para agudizar as interrogações internas: “Sou um bitonga, português, comunista e democrata. Não, sou um bitonga comunista. Não, sou um comunista, português, democrata. Não, sou um bitonga português. Não, sou um bitonga democrata. Não, sou um comunista democrata. Não, sou um democrata comunista”.

A performance explora a crise de identidade e trata de desconstruir as representações culturais de um considerado “corpo puro” africano, em particular o corpo do moçambicano. Desde a independência do país, que aconteceu em 1975, Moçambique tem sido palco de transformações social e política. Assim, o espetáculo explora essa noção de corpo africano de hoje: um corpo pós-colonial e um corpo plural, o qual absorveu os ideais de nacionalismo, modernidade, socialismo e liberdade de expressão, o próprio corpo.

Panaibra Marrabenta
Para Panaíbra, teatralizar a marrabenta é "uma forma de sair da caixa"Foto: Nicholas Meisel

A representação individual da marrabenta

O bailarino apresentou-se em palco apenas acompanhado do guitarrista e compositor Jorge Domingo, mas a marrabenta é, geralmente, feita em coletivo. Será está performance uma forma de inovar o género musical em si?

“Não me fechei nos movimentos clássicos. Transformei alguns destes movimentos e estive à procura de outros. Na pesquisa que fiz sobre a própria marrabenta encontrei compositores diversos, os quais exploram diferentes ritmos tradicionais. Quis voltar a estes mesmos ritmos que, de uma certa forma, influenciaram este ou aquele estilos da marrabenta”, diz Panaíbra Gabriel Canda em entrevista à DW África.

O dançarino refere ainda que com esta sua performance tentou, em parte, teatralizar a marrabenta. “É uma forma de sair da caixa. Tento transcender as fórmulas já impostas pelo sistema e ter a liberdade de poder explorar, utilizando a criatividade artística em diferentes formas”, conta.

Panaibra Marrabenta
Panaíbra expressa aquilo que realmente sentia sobre a sua crise de identidadeFoto: Nicholas Meisel

A desconstrução da crise de identidade

Panaíbra considera que este espectáculo de marrabenta é a “emancipação da identidade”, não só a nível individual, mas artístico. De acordo com o artista, este é mais um aspecto que se confunde com a própria história de Moçambique.

“É a aceitação de que eu mudei e de que ganhei uma nova identidade, que, para mim, não deixa de ser moçambicano. Moçambique viveu estas transformações nos diferentes períodos pelos quais passou. Estamos com maior liberdade para poder criar e para reinventar. Esta é a emancipação a que me refiro”, adianta.

Panaíbra nasceu no seio da geração pós-colonial e, num vídeo de apresentação do espetáculo, afirmava ter muitas questões, como “quem somos” e “para onde vamos”. Já quase no fim da performance, numa altura em que envergava uma máscara com adereços peculiares na cara, Panaíbra conseguiria expressar aquilo que realmente sentia sobre a sua crise de identidade: “Sou o resto da colonização, sou o fracasso do comunismo, sou a experiência da democracia, sou resultado de independências negociadas, sou produto de uma paz negociada e negociável, sou pequeno português de cor preta. Sou ou sou”.

Neste sentido, e na entrevista à DW África, adianta ter obtido resposta a estas interrogações existenciais. “A primeira luta passa por aceitar o facto de termos assimilado e absorvido muitas coisas, as quais não vamos remover. Podemos mentir a nós próprios, mas, na prática, não vamos removê-las, mas, sim, vamos progredir. A melhor maneira de o fazer é entender que estas novas transformações e esta cultura nasceram fruto dessa influência. A partir daqui, podemos criar uma abertura para continuarmos a impor como moçambicanos e com identidade própria, apesar de termos tido outras influências”, explica.

Panaibra Marrabenta
Panaíbra apresentou-se em palco apenas acompanhado pelo guitarrista Jorge DomingoFoto: Nicholas Meisel

As diferentes recetividades do público

A peça "Time and Spaces: The Marrabenta Solos" já foi apresentada em Moçambique, no Brasil e nos Estados Unidos da América. Durante esta semana está em digressão por algumas cidades da Alemanha e nos dias 22 e 23 de junho vai ser dada a conhecer em Lisboa, a capital portuguesa, no âmbito do evento “Próximo Futuro”.

Tendo em conta o tema da própria peça, Panaíbra garante que a performance em si tem provocado muitas reacções pelos locais por onde tem passado.

“Em Moçambique, as pessoas são bastante participativas. Como entendem todos os códigos, a peça tem outra adrenalina. Em outros sítios, o público entende o conceito da peça e da história e identifica-se, mesmo que não compreenda todos os códigos”, realça.

A influência dos jovens na marrabenta

Panaíbra assevera que os jovens moçambicanos têm conseguido manter a marrabenta viva. O bailarino lembra que as novas gerações tentam adaptar esta forma musical aos tempos actuais, o que leva a um “choque de gerações”, sobretudo junto da chamada “velha guarda”.

“Cada uma das gerações tem a sua própria marrabenta. Há jovens que pegam em temas antigos de marrabenta e misturam-nos com hip-hop, entre outros géneros musicais, ou seja, a marrabenta continua a ganhar a sua dinâmica e inovação e surgem outros pequenos estilos familiares”, adianta.

Panaibra Marrabenta
O Studiobühne, em Colónia, foi um dos locais onde a peça foi apresentada na AlemanhaFoto: Nicholas Meisel

A arte como forma de vida

Nos dias que correm, Panaíbra garante conseguir viver da arte. À DW África recorda que tudo começou há 20 anos e, nos primeiros tempos, conciliava a dança com outros trabalhos. Não conseguindo “ser bom em tudo o que fazia”, decidiu, há 16 anos, focalizar-se na arte e na marrabenta, em particular. Criou a CulturArte, uma instituição que, por um lado, dá o suporte necessário para o desenvolvimento do trabalho de Panaíbra e, por outro lado, “existe para apoiar os jovens artistas”, em vários âmbitos.

“A dança como forma de arte é talvez onde temos de investir. Os jovens conseguirão perceber que, como artistas, podem viver da sua arte, a qual pode ser dança, música ou pintura. Para ser profissional é necessário ter muita disciplina, prática e trabalho. Só desta maneira se pode transcender para outro escalão de praticante da arte”, reitera.

A relevância do tempo e do espaço

Como foi referido, o espectáculo de Panaíbra chama-se "Time and Spaces: The Marrabenta Solos", que, em português, significa "Tempo e Espaços: Os Solos da Marrabenta" e tem um significado específico.

“Para mim é olhar para aquele lugar onde nasci e para o que aconteceu naquele espaço – há o passado com muitos acontecimentos, como a colonização, a descolonização, a fase em que seguimos um pouco o regime de ditadura, comunismo, há a fase de conflito armado, a fase da sociedade democrática. Tem também o hoje e o amanhã. Os espetáculos terminam sempre aqui e agora, neste momento em que estamos”, disse.

A performance está em digressão um pouco por todo o mundo e a cidade alemã Colónia fez parte do roteiro de apresentação da performance, que esteve integrada no evento de cultura africana Africologne-Festival.