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Opinião: "Bom aluno" Portugal em rebeldia contra austeridade

Johannes Beck
10 de novembro de 2015

Uma aliança de esquerda derrubou o Governo centro-direita em Portugal. O PS e o PCP ultrapassaram as divergências históricas e enviaram um sinal contra a política europeia de austeridade, opina Johannes Beck.

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Na noite do dia 4 de outubro, dia das eleições legislativas em Portugal, os dirigentes do PSD (Partido Social Democrata) e do CDS-PP (Partido Popular) ainda sorriam, pois a sua coligação "Portugal à Frente" tinha ganhado a maioria. Foi apenas uma maioria relativa, mas o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (PSD) pensava que seria suficiente para governar.

Desde o verão quente de 1975, quando Portugal oscilava entre a economia de mercado do Ocidente e o comunismo do Leste, um fosso ideológico separava o PS (Partido Socialista) e o PCP (Partido Comunista Português). Não parecia provável uma aliança dos dois para derrubar a coligação centro-direita no governo em Portugal. Mas a política de austeridade coordenada pela Troika da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional nivelou este fosso.

Perdeu-se a maioria para as medidas de austeridade

Catarina Martins Portugal Lissabon Parlament
Catarina Martins do Bloco de Esquerda durante o debate parlamentar sobre o programa do Governo da coligação PSD e CDS-PPFoto: picture-alliance/dpa/A.Franca

Houve uma mudança nas coordenadas políticas em Portugal – em grande parte ignorada até agora pela Europa que concentrou as suas atenções na Syriza grega e no Podemos espanhol. Em Portugal não houve vitórias tão claras como a do Syriza na Grécia, mas o Bloco de Esquerda (BE) com o seu programa anti-austeridade conseguiu duplicar os seus votos para 10,2%.

PS, BE e PCP derrubaram agora o Governo, chumbando o seu programa governamental na Assembleia da República.

Cavaco Silva decisivo

O Presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, tem que decidir agora se apoia a formação de um governo de esquerda liderado por António Costa do PS. No sistema político português, o Presidente tem um poder quase discricionário de nomear um governo. Mas estes governos sempre podem ser derrubados no Parlamento, quando houver maioria absoluta contra o seu programa, como aconteceu agora.

Cavaco Silva já se manifestou contra um Governo que dependesse de partidos como o Bloco de Esquerda – ou dos comunistas do PCP, pois defendem a saída de Portugal da NATO e da União Europeia.

Cavaco Silva deveria mudar a sua posição.

Por um lado, não haverá nunca uma saída da NATO ou da União Europeia com um partido tradicionalmente europeísta como o PS. Isto iria destruir os ideais do seu fundador, Mário Soares.

Por outro, não se entende porquê em Portugal não possa haver um Governo apoiado por uma aliança de esquerda apesar de reunir uma maioria absoluta dos votos e dos deputados. Seria uma interpretação estranha de princípios e regras democráticos.

Adeus à austeridade rigorosa

Antonio Costa Portugal Lissabon Parlament
Será António Costa, o líder do PS, o novo primeiro ministro?Foto: Getty Images/AFP/J.M.Ribeiro

Os pontos comuns acordados entre os três partidos de centro-esquerda mostram uma reviravolta clara em relação à política de austeridade dos últimos anos. Os três querem revogar cortes de pensões dos últimos anos e aumentar gradualmente o salário mínimo dos atuais 505 euros por mês para 600 euros até o ano de 2019.

Se compararmos este valor com a Alemanha, vê-se em que nível Portugal opera: um alemão que recebe o salário mínimo ganha atualmente cerca de 1.470 euros por mês. Mais do que o dobro de um português em 2019.

Renegociação da dívida: (ainda) não?

Como surpresa, a nova aliança entre PS, BE e PCP não pede uma renegociação da dívida do país. Mas penso que, mais cedo ou mais tarde, um novo Governo de centro-esquerda vai colocar este tema em cima da mesa.

A austeridade europeia falhou redondamente em relação à redução da dívida. Desde 2011, ano do primeiro pacote de ajuda externa a Portugal, a dívida continuou a aumentar apesar da execução exemplar das medidas de austeridade por Portugal. Cresceu de cerca de 110% para aproximadamente 130% do produto interno bruto. A longo prazo, um nível insustentável.

Berlim e Bruxelas deveriam começar a desenhar mecanismos internacionais de insolvência para Estados. Apenas com a política atual de austeridade não se pode resolver a crise da dívida. Isto é claramente visível não somente em países considerados "problemáticos" como a Grécia, mas também no caso do "bom aluno" Portugal.

Se em Portugal ou em outros países aumentarem as vozes que pedem uma renegociação da dívida, seria importante existir um mecanismo internacional para coordenar a reestruturação da dívida de países sobre-endividados. Apenas assim me parece ser possível evitar o caos das últimas crises financeiras.

Pedro Passos Coelho Portugal Misstrauensantrag
Pedro Passos Coelho na Assembleia da República, no dia em que o seu Governo caiuFoto: picture-alliance/AP Photo/A.Franca