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Guterres – homem de palavras, mas (ainda) não de ações

Johannes Beck
Johannes Beck
6 de outubro de 2016

Novo secretário-geral das Nações Unidas vai ter que reformar a ONU para que possa responder aos desafios globais. Mas o seu tempo como primeiro-ministro português deixa duvidas se é o homem certo, opina Johannes Beck.

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Antonio Guterres na Suiça
António Guterres Foto: picture-alliance/dpa/S. Di Nolfi

Soberano, preciso e eloquente – em abril deste ano, Guterres deixou uma impressão excelente na sua entrevista em Nova Iorque como candidato a secretário-geral da ONU. Apresentou as suas ideias em três línguas fluentemente: inglês, espanhol e francês.

Guterres é um homem de palavras, é um prazer ouvi-lo. A sua ideia de colocar a prevenção no centro de todas as atividades das Nações Unidas convence. Evitar problemas em vez de os solucionar. Quem iria discordar?

Na crise dos refugiados, sempre encontrou as palavras certas

Como Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Guterres viveu o que significam falhas de prevenção. No seu mandato, mais pessoas estiveram em fuga do que em qualquer outra época depois da Segunda Guerra Mundial. Durante a crise dos refugiados, sempre encontrou as palavras certas e não hesitou em criticar a União Europeia.

Mas palavras não serão suficientes para reagir às crises já existentes no Mundo – não importa na Síria, no Sudão do Sul ou na Somália. Nestes casos, a prevenção já vem tarde. São necessárias ações. E por isso, o mundo necessita duma ONU eficiente. Cenas como no Sudão do Sul, em julho,  não se devem repetir quando capacetes azuis não conseguiram proteger civis, que procuravam refúgio, das violações e dos assassinatos de soldados.

Guterres quer que os capacetes azuis trabalhem no futuro com os padrões éticos mais altos. Isto é urgente, pois demasiadas vezes ficaram conhecidos pela exploração sexual de menores. A reação da ONU a estes escândalos dos seus "soldados de paz" foi muitas vezes tentar esconder-se.

Johannes Beck - jornalista da DW
Johannes Beck é chefe de redação da DW África

Falta de uma cultura para aprender com os erros da ONU

Isto tem muito a ver com a falta de uma cultura no seio das Nações Unidas de aprender com os erros . Fracassos são sistematicamente ignorados na ONU: as suas conferências internacionais ou têm muito sucesso ou têm sucesso. Não importa até que ponto seja evidente o fracasso delas. O antecessor de Guterres, Bank Ki-moon, não foi exceção à regra e até fez uma avaliação positiva do desastre histórico da Conferência do Clima de Copenhaga de 2009.

Todos os antecessores de Guterres falharam na reforma da burocracia lenta, extremamente complexa e ineficiente do sistema das Nações Unidas. Mas apenas com uma reforma radical da sua burocracia, que é composta por dúzias de sub-organizações, agências e comissões, muitas das quais quase sem impacto, a ONU será capaz de reagir aos desafios cada vez maiores no mundo.

Será Guterres o candidato ideal para reformar a ONU?

Tenho ceticismo, se Guterres é o homem certo para esta tarefa.

Primeiro, depois de dez anos como Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados faz parte do sistema. Acho que uma personalidade forte de fora, sem as hesitações tão típicas para os diplomatas da ONU, teria sido o candidato ideal para avançar com a reforma urgente do sistema das Nações Unidas.

Segundo, ainda me lembro bem da euforia que Guterres causou em Portugal, depois da sua primeira eleição como primeiro-ministro em 1995. Anunciou: "No jobs for the boys". Queria substituir a afiliação partidária pela qualificação objetiva como critério para postos na administração do país.

Mas não demorou muito tempo até que ficou claro que estas palavras não eram seguidas de ações. No fim do seu mandato como primeiro-ministro, em 2002, milhares de empregos na administração pública tinham sido ocupados pelos "boys" do seu Partido Socialista (PS).

Espero que, desta vez como secretário-geral das Nações Unidas, Guterres transforme as suas palavras em ações.

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