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Jornalismo deficiente na guerra colonial portuguesa

João Carlos (Lisboa)29 de maio de 2015

A cobertura da guerra colonial, entre 1961 e 1974, constituiu um sério desafio profissional e deontológico para os jornalistas portugueses. O regime de António Salazar não permitia uma cobertura isenta.

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Foto: DW/Joao Carlos

O controlo do Estado Novo sobre a imprensa colonial, a censura e a auto-censura aliadas à propaganda do regime vigente, impediram que os portugueses conhecessem a realidade das guerras em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Esta é uma das conclusões a que chegou um colóquio, realizado no dia 28 de maio na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dedicado ao “Jornalismo Português na Guerra Colonial”.

Nos anos 70, Joaquim Letria fez reportagens nos três cenários de guerra em África. Como jornalista, visitou Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, quando reinava em Portugal o Estado Novo, que controlava toda a imprensa colonial. Na altura, como conta o repórter que também trabalhava para a imprensa estrangeira, era impossível o relato independente dos acontecimentos. Esse só era viável na imprensa estrangeira: ”Mas em Portugal não, era impossível”.

Desinteresse pelos acontecimentos em África

Joaquim Letria - portugiesischer Journalist
Joaquim Letria falou da sua experiência pessoal como jornalista durante a guerra colonialFoto: DW/Joao Carlos

Além disso, acrescenta, havia um desinteresse muito grande em Portugal no que se estava a passar em África, embora o conflito armado fosse dramático para a geração jovem e respectivas famílias. Hoje, na qualidade de professor universitário, Joaquim Letria partilha as memórias daquele período em iniciativas acadêmicas.

Outro participante do recente colóquio, Tânia Alves, doutoranda do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, estuda a vertente mediática da guerra colonial enquanto acontecimento histórico. E chega igualmente à conclusão que não se pode falar de relato independente. Por um lado, por causa da censura a que era submetida a imprensa: “Mas a censura é apenas um elemento do condicionamento das notícias. As notícias estavam realmente enviesadas mesmo pelas próprias fontes de informação, que eram sempre fontes oficiais”.

Nenhuma cobertura do “lado africano”

Havia tentativas de resistência feitas, sobretudo, pelos vespertinos “República” e “Diário de Lisboa”, que tinham uma atitude mais de distanciamento e que procuravam passar a mensagem próxima da verdade. Não interessava ao regime dar a entender que havia guerra, com muitos mortos e feridos. O que o Estado Novo pretendia – refere Tânia Alves –, era mobilizar a opinião pública em redor da manutenção do império em África. Por outro lado, as histórias relatadas pelos jornalistas portugueses ignoravam o lado africano, diz Joaquim Letria: “Não havia interesse da maioria das pessoas e havia um grande desconhecimento”. Os jornalistas estavam dependentes da aprovação oficial e de transportes militares para se deslocarem aos cenários de guerra: “aonde eles pensavam que nós podíamos e devíamos ir. E a informação era aquela que eles nos davam”.

Lissabon Kolloquium Portugiesischer Journalismus und Kolonialkrieg
A investigadora Tânia AlvesFoto: DW/Joao Carlos

Crimes de guerra ignorados pela imprensa

Por isso os jornalistas também desconheciam os crimes cometidos pelas tropas portuguesas a mando dos colonizadores. Joaquim Letria dá o exemplo de Moçambique. Massacres cometidos aqui pelas tropas portuguesas foram revelados por padres em Londres e difundidos pela emissora britânica BBC.

Ciente do perigo para a sua imagem internacional, o regime tentou também condicionar a narrativa da imprensa estrangeira, expulsando, por exemplo, alguns correspondentes. Ainda assim, os correspondentes dos media de outros países em Luanda, por exemplo, tinham um posicionamento diferente dos portugueses, acrescenta Tânia Alves: “Havia jornais como o The Guardian ou o francês Le Monde, que tentaram sempre fazer enquadramentos alternativos. Portanto, transmitir uma imagem do trabalho forçado, da diferença das condições laborais e de vida, que realmente eram ocultadas pelo regime de Salazar”.

Acima de tudo, o regime não poupou esforços para manter a opinião pública nacional na ignorância. Pelo que a política ativa de propaganda destinada a manter o império, acabou por contribuir também para o prolongamento da guerra colonial, que durou 13 anos. Mas, na opinião de Joaquim Letria, a cobertura jornalística dada à guerra de África não teve nenhuma influência para a duração ou o fim do conflito.

O jornalismo impossível na guerra colonial portuguesa

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