A Agenda Política do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder desde 1975, foi apresentada no sábado (10.02), em Malanje, pelo secretário-geral, Paulo Kassoma, num ato de massas sem a presença de José Eduardo dos Santos, presidente do partido e ex-chefe de Estado angolano.
Na sua intervenção, Paulo Kassoma apontou que se afiguram "novos desafios" ao MPLA, que deverão ser encarados "com um grande senso de responsabilidade, disciplina, coesão e patriotismo". "Não podemos esquecer que o MPLA tem a elevada responsabilidade de criar todas as condições para garantir o cumprimento das promessas eleitorais que fez", sublinhou.
Angola nunca teve eleições autárquicas
Entre os vários compromissos da agenda para 2018 consta "promover a discussão e a adoção da legislação de suporte à realização das eleições autárquicas" em Angola, mas também submeter ao parlamento, através do grupo parlamentar do partido, um conjunto de tarefas que o MPLA "reputa essenciais para a realização exitosa das eleições autárquicas".
O MPLA pretende avaliar, com base nos dados do diagnóstico sobre o estado atual dos recursos humanos, financeiros, infraestruturas e outros, "os municípios com melhores condições para a implementação das autarquias locais, em respeito aos princípios constitucionais respeitantes ao gradualismo e a transitoriedade".
O partido no poder considera ainda crucial promover a realização do processo de delimitação territorial, definindo corretamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica, "com base na aplicação correta e rigorosa das leis a respeito", bem como concluir o estudo sobre o potencial de elevação de comunas a municípios, apresentando "propostas concretas nesse sentido".
Segundo este partido, é ainda necessário realizar um "balanço exaustivo" sobre o desempenho do MPLA nas eleições gerais de agosto último (vitória com 61% dos votos), "extraindo as lições objetivas que permitam encetar a adoção de medidas corretivas adequadas, tendo em conta os próximos desafios político-eleitorais" e promover, ao nível de todas as estruturas e junto dos militantes, "uma análise e reflexão sobre a vida interna" do partido "e a sua melhor inserção na sociedade”.
José Eduardo dos Santos sai do MPLA em 2018?
Durante o discurso não foi avançada qualquer informação sobre a possibilidade de realização de um congresso extraordinário com eleições antecipadas, em 2018, para a liderança do partido, como defendem alguns militantes.
José Eduardo dos Santos disse que 2018 seria o ano em que abandonaria a vida política
Desde que deixou a Presidência da República em setembro, ao fim de 38 anos, José Eduardo dos Santos tem trabalhado regularmente na sede do MPLA, partido a que continua a presidir, tendo orientado várias reuniões, entre bureau político e comité central, desde dezembro.
Em 2016, antes ainda de anunciar que não era recandidato à Presidência da República, José Eduardo dos Santos disse que pretendia abandonar a vida política em 2018, mas sem concretizar datas até ao momento.
Com José Eduardo dos Santos na presidência do MPLA e João Lourenço na Presidência da República - sendo ainda vice-presidente do partido -, a oposição angolana tem acusado a atual estrutura no poder de bicefalia, acusação que é oficialmente desmentida. Contudo, João Lourenço disse, a 8 de janeiro, que não sente crispação com o ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos, mas aguarda que cumpra o compromisso anteriormente assumido, de deixar a liderança do partido em 2018. "Só a ele compete dizer se o fará, se vai cumprir com esse compromisso. Quando isso vai acontecer, só a ele compete dizer", disse, na altura, João Lourenço.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Engenheiro petroquímico
Em 1961, aos 19 anos, José Eduardo dos Santos junta-se ao MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, que luta contra o colonialismo português. Em 1963, é enviado com uma bolsa de estudos para a União Soviética, onde frequenta um curso de Engenharia Petroquímica em Baku, capital do atual Azerbaijão. Dos Santos também tem aulas de comunicação militar e regressa a Angola em 1970.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Antecessor Agostinho Neto
Angola torna-se independente em 1975 e mergulha diretamente numa guerra civil entre os três movimentos de independência: MPLA, UNITA e FNLA. A capital Luanda é controlada pelo MPLA. O seu líder Agostinho Neto assume a Presidência do país e instala um regime monopartidário de inspiração marxista. Dos Santos assume vários ministérios, incluindo os Negócios Estrangeiros e Planeamento Nacional.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Aliança com países comunistas
Depois da morte de Neto a 10 de setembro de 1979, em Moscovo, dos Santos é eleito a 20 de setembro pelo MPLA como novo Presidente. Consolida a aliança entre Angola e os países do bloco comunista como a União Soviética e a República Democrática da Alemanha (RDA). Em 1981, dos Santos visita a RDA e é recebido pelo secretário-geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha, Erich Honecker (à esq.).
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Mundo dividido
Durante a visita à RDA em 1981, dos Santos passa pelo Muro de Berlim, na Porta de Brandemburgo, símbolo da "Guerra Fria" e da separação do mundo em dois blocos. Angola é um dos países onde o confronto entre os blocos comunistas e liberais se transforma numa "Guerra Quente". Os países comunistas querem evitar uma vitória da UNITA, apoiada pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Soldados cubanos
Em apoio militar ao Governo do MPLA, Cuba envia soldados a Angola. Os 40 mil soldados cubanos têm um papel decisivo para travar o avanço das tropas da UNITA e da África do Sul. Na foto: Soldados cubanos em Cuito Canavale no ano de 1988, uma das maiores batalhas da guerra civil. Três anos mais tarde, é assinado um primeiro acordo de paz na localidade de Bicesse, no Estoril, em Portugal.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Mais guerra apesar de acordo de paz
As primeiras eleições de Angola tiveram lugar em 1992. O MPLA obteve maioria absoluta no Parlamento, mas dos Santos não conseguiu maioria absoluta na primeira volta das presidenciais. A UNITA e o seu candidato, Jonas Savimbi, não reconheceram os resultados por alegada fraude eleitoral. A segunda volta não teve lugar, pois a guerra recomeçou. Na foto: Soldados governamentais reconquistam Dondo.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
MPLA ganha terreno
Os EUA reconhecem o Governo do MPLA em 1993. O Ocidente perde o interesse na guerra civil em Angola após a queda do muro de Berlim. E, com o fim do apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, a UNITA perde outro aliado e fica cada vez mais isolada. O MPLA abandona a retórica comunista e torna-se capitalista, e as riquezas do petróleo fazem do partido um parceiro atrativo.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Opção militar prevalece
Em 1994, foi assinado outro acordo de paz em Lusaka, Zâmbia. Um ano mais tarde, dos Santos oferece o posto de vice-Presidente a Jonas Savimbi. Este recusa em 1997 e falha a formação de um Governo conjunto. A seguir, a guerra intensifica-se. Dos Santos aposta na opção militar e investe fortemente nas Forças Armadas. O núcleo duro do seu regime é formado por generais e pela Guarda Presidencial.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Aliança com Kabila no Congo
Com a sua intervenção militar na segunda guerra do Congo a partir de 1998, Angola presta um apoio decisivo a Laurent-Désiré Kabila, Presidente da RDC (Rep. Democrática do Congo). Com a nova aliança, o MPLA consegue eliminar uma retaguarda da UNITA. Dos Santos estabelece Angola como uma das principais potências militares e políticas na África Austral. Também envia soldados para o Congo-Brazzaville.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Vitória total sobre Jonas Savimbi
Um embargo internacional de armas enfraquece a UNITA, cada vez mais isolada. Pouco a pouco, o exército do Governo conquista espaço. A 22 de fevereiro de 2002, mata o líder da UNITA, Jonas Savimbi. Nesse ano, as duas partes assinam mais um acordo de paz. Termina finalmente uma das guerras civis mais sangrentas, com cerca de um milhão de mortos e quatro milhões de deslocados e refugiados.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Vestígios da guerra
Anos mais tarde, ainda são visíveis os danos da guerra, como nesta foto de 2009. O desenvolvimento do país ficou atrasado, estradas e caminhos-de-ferro tiveram de ser reabilitadas, campos desminados. No enclave de Cabinda, província nortenha rica em petróleo, continua outra guerra. Mas, até hoje, o movimento separatista FLEC não consegue ameaçar seriamente o poder do MPLA em Cabinda.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Eleições adiadas e canceladas
Originalmente previstas para 1997, as segundas eleições legislativas da história de Angola só tiveram lugar em 2008. O MPLA obteve 81,6% dos votos, a UNITA 10,4%. Houve queixas de um clima de intimidação durante a campanha e de desorganização do pleito. As eleições presidenciais, prometidas para 2009, nunca se realizaram. Mesmo assim, dos Santos continua no poder.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Esperanças goradas da Alemanha
Em 2011, a chanceler alemã Angela Merkel (à esq.) visita Angola, dois anos após a visita de dos Santos a Berlim. Há empresários alemães com muito interesse em investir em Angola. Mas poucos investimentos chegam a ver a luz do dia, nos anos seguintes. Angola continua a ser um parceiro difícil para a Alemanha. Há poucas empresas alemãs dispostas a enfrentar o ambiente de negócios angolano.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Repressão contra opositores
A partir de 2011, eclode uma onda de manifestações inspirada na Primavera Árabe. Os protestos foram brutalmente abafados pela polícia, vários ativistas detidos e condenados por alegado golpe de Estado. Em 2013, a Guarda Presidencial mata dois opositores a tiro. Membros da seita adventista "A Luz do Mundo" também são brutalmente perseguidos. A polícia é ainda acusada de execuções extra-judiciais.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Finalmente eleito, mas apenas indiretamente
Em 2010, o Parlamento muda a Constituição e elimina as presidenciais. A eleição passa a ser indireta: É eleito como Presidente o líder da lista mais votada nas legislativas. O MPLA vence as eleições de 2012 com 71,9% dos votos. Após 32 anos no poder, dos Santos ganha pela primeira vez legitimidade eleitoral, embora apenas de forma indireta. Observadores criticam desvantagens da oposição.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Homem de família
Para além dos militares, a família é outro núcleo do poder de José Eduardo dos Santos, que teve vários casamentos. A sua esposa atual é Ana Paula dos Santos (foto), antiga modelo, que conheceu quando ela trabalhava como hospedeira no avião presidencial angolano. Casaram-se em 1991 e tiveram quatro filhos. Nas eleições de 2017, Ana Paula dos Santos será candidata a deputada nacional pelo MPLA.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Filha é a mulher mais rica de África
Mas é Isabel dos Santos, filha do primeiro casamento com Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xadrez que dos Santos conheceu em Baku, que tem maior protagonismo internacional. Através de uma licença de telecomunicações em Angola para a sua empresa Unitel, Isabel dos Santos construiu um império de negócios com atividades em Portugal e noutros países. É considerada a mulher mais rica de África.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Filho administra fundo soberano
A nomeação de José Filomeno dos Santos, filho da segunda mulher de José Eduardo dos Santos, para liderar o Fundo Soberano de Angola gerou controvérsia. O fundo administra parte da riqueza petrolífera do país. O pai tem o apelido popular de "Zedú", o filho de "Zenú". A mãe de "Zenú", Filomena de Sousa, foi funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quando dos Santos foi ministro.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Luxo e riqueza do petróleo
Nos últimos anos, milhares de milhões de dólares entraram nos cofres de Angola, um dos maiores produtores de petróleo de África. A Avenida Marginal de Luanda é símbolo da nova riqueza. Mas muito dinheiro desapareceu das contas do Estado, acusam organizações não-governamentais como a Human Rights Watch. O Fundo Monetário Internacional também pediu mais transparência.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Parceria com a China
A China é o novo parceiro de eleição de José Eduardo dos Santos. O país torna-se no maior comprador do petróleo de Angola e concede vários créditos para financiar grandes projetos. Ao contrário do FMI e de outros parceiros, a China não exige transparência, nem reclama dos direitos humanos. Nascem novos bairros em Luanda como Kilamba Kiaxi (foto), financiada e construída por empresas chinesas.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Pobreza continua apesar da riqueza
Apesar das receitas milionárias do petróleo, Angola continua a ter graves problemas de pobreza. Mesmo na capital Luanda, há bairros sem saneamento como o de Kinanga (foto). Muitos serviços de saúde continuam fora do alcance dos mais pobres: Angola tem das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo. O sistema de educação também é considerado inadequado para um país com tantos recursos naturais.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
Homem discreto
José Eduardo dos Santos é conhecido como um homem discreto. Entrevistas com ele são raríssimas. Não costuma dar conferências de imprensa e faz poucos discursos públicos. Nos últimos anos, esteve regularmente fora do país para longos tratamentos médicos em Barcelona, Espanha. Em África, os seus 38 anos no poder como chefe de Estado só são superados por Teodoro Obiang da Guiné-Equatorial.
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José Eduardo dos Santos: percurso do "eterno" Presidente de Angola
O sucessor: João Lourenço
Depois de José Eduardo dos Santos anunciar que não seria candidato às eleições de 2017, o MPLA nomeou o ex-ministro da Defesa, João Lourenço, como candidato à sucessão. O MPLA ganhou as eleições de 23 de agosto e Lourenço é o novo Presidente de Angola. Mas dos Santos permanece na direção do partido e, deste modo, mantém uma considerável influência na política angolana.
Autoria: Johannes Beck