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Cultura

Mostra discute o racismo sofrido por africanos em Portugal

25 de julho de 2017

A realidade violenta e racista dos bairros dos arredores de Lisboa será discutida no evento que apresentará filmes de realizadores negros, que geralmente não têm espaço no circuito comercial.

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Cova da Moura é um bairro marcado pela violência policial contra os negrosFoto: DW/J. Carlos

A violência e o racismo sofridos por migrantes africanos residentes em Portugal serão debatidos na segunda Mostra Internacional de Cinema na Cova da Moura, que arranca esta quarta-feira (26.07) no concelho de Amadora, nos arredores de Lisboa.

Até sábado (29.07), sob a temática "África e as suas Diásporas", o evento apresentará produções de realizadores negros e afrodescendentes que não encontram lugar na maioria das salas dos cinemas comerciais.

Em entrevista à DW, Maíra Almada, curadora do evento, considera que esta é uma oportunidade para se discutir a organização da comunidade negra que reside na capital portuguesa.

"A mostra fala muito de como precisamos, de uma forma ou de outra, de se organizar coletivamente enquanto população negra. Porque noutros espaços do poder a gente não está a conseguir aliados, não está a conseguir inserção na sociedade", diz.

Filmes das diásporas

Alguns dos filmes a exibir até o dia 29 despertam para o debate do racismo, que, em Portugal, atinge principalmente a população de bairros degradados, como o de Cova da Moura, constituído na sua maioria por imigrantes oriundos dos países africanos de língua portuguesa. Em bairros como este, a violência policial é uma realidade enfrentada pela população.

Portugal - Filmfestival Lissabon - Thema Gewalt und Rassismus
Maíra Almada: Mostra é oportunidade para a comunidade negra discutir o seu papel enquanto coletividade Foto: DW/J. Carlos

Entre os filmes que retratam esta problemática estão o curta-metragem "Cidade de Deus" (Brasil / 2002) e a longa-metragem "Febre Amarela" (Yellow Fever), da queniana Ng'endo Mukii. Para Maíra Almada, a não exibição de filmes como estes no circuito comercial também é resultado do racismo ainda latente na sociedade portuguesa.

Violência policial e injustiça

E o racismo institucional na sociedade portuguesa – sobretudo as narrativas de excecionalidade que existe por parte da polícia sobre o bairro da Cova da Moura – inquieta jovens como Jakilson Pereira, membro diretivo da Associação Cultural Moinho da Juventude.

Segundo ele, "algumas destas narrativas nem [sequer] nasceram com más intenções. Mas, ao longo do tempo os agentes policiais perceberam que a excecionalidade dentro do Estado de direito pode ser também algo bem explorado".

26.07.17 Racismo em Portugal (online) - MP3-Mono

Pereira diz que "durante muitos anos [os polícias] exploraram esse campo e viram que aqui podiam fazer tudo e mais alguma coisa e nunca serem questionados. Porque quando são questionados encostam-se aos esteriótipos e à estigmatização do bairro para se defenderem".

Jakilson Pereira lembra a barbárie praticada contra jovens do bairro em fevereiro de 2015 e a recente acusação (sem precedente), pela investigação judicial, de 18 agentes policiais, incluindo o chefe da esquadra de Alfragide (arredores de Lisboa), indiciados pelos crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada, agravados pelo ódio e discriminação racial contra seis jovens da Cova da Moura.

"Nós estamos a falar em pleno século XXI. Num Estado de direito aquilo que aconteceu é inaceitável, porque aqueles que supostamente estão todos os dias a fiscalizar para fazer cumprir a lei, quando são os primeiros a tornarem-se justiceiros populares e os primeiros a ter uma posição inaceitável. E no primeiro passo deste processo mostra claro que a acusação parte de uma base racial. A acusação fala em jovens negros", destaca Pereira. 

Filmstill City of God
Filme brasileiro "Cidade de Deus" está na programação da mostra Foto: imago/United Archives

Omissão do Estado

Tomando em conta o acontecido na Cova da Moura, a DW ouviu também Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo. Para ele, o Estado português esteve tempo demais "mudo, surdo e cego" em relação à problemática da violência policial com motivações racistas nos bairros habitados por afrodescendestes.

Mamadou Ba diz que é preciso "um caminho de combate firme contra o racismo institucional, nomeadamente junto das forças de segurança pública", e garantir "que as vítimas de abuso e violência policial com motivações racistas são efetivamente protegidas".

Para o ativista, os casos sistemáticos de violência nesses bairros de Lisboa "têm a ver com uma cultura de impunidade que grassa dentro das forças de segurança, nomeadamente na forma como se relacionam com as comunidades negras em Portugal".