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Leonel Matias: DW de luto por "ícone do jornalismo"

Romeu da Silva (Maputo) | Maria João Pinto
17 de maio de 2023

"Um colega querido e respeitado", com quem foi "uma grande honra" trabalhar: Colegas despedem-se de antigo correspondente da DW em Maputo que morreu hoje aos 64 anos, vítima de doença.

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Foto: picture alliance/dpa/Oliver Berg

Morreu esta quarta-feira (17.05) o antigo colaborador da DW Leonel Matias, aos 64 anos, vítima de doença. Leonel Matias foi jornalista na rádio pública de Moçambique (RM), onde desempenhou os cargos de diretor de informação, diretor do centro de formação profissional, chefe do setor dos noticiários e chefe do Maputo Corridor Radio, e foi um dos mentores da criação do canal de Desporto da estação emissora estatal.

Jornalista moçambicano e correspondente da DW, Leonel Matias
Foto: Cristiane Vieira Teixeira/DW

Leonel Matias começou a trabalhar na Rádio Moçambique em Inhambane, em 1979, como redator. Anos depois, mudou-se para a capital, Maputo, para trabalhar na redação central. Reformou-se em 2014, como editor principal.

Iniciou a colaboração com a DW em maio de 2012, tendo publicado diversas matérias, sobretudo políticas e económicas, até setembro de 2021, quando decidiu "descansar", como ele próprio afirmava. "Fiz a minha parte pelo jornalismo", justificava. Colegas e amigos de Leonel Matias consideram-no uma "lenda do jornalismo moçambicano" que deixa um legado importante aos jovens que trilham pela profissão.

Em diversas páginas nas redes sociais, sobretudo ligadas ao jornalismo, pode ler-se muitas mensagens de homenagem ao "ícone do jornalismo moçambicano".

"O grande diretor de informação"

O jornalista da Rádio Moçambique Adão Matimbe, que fez o curso de jornalismo superior com Matias, descreve-o como "um professor que sempre estava disponível a ajudar a todos os colegas". 

"Mostrava grande profissionalismo e muita humildade dentro da sala de aula. Se tivesse que dar um puxão de orelhas dava, criticava e mostrava muita isenção no que escrevia", acrescenta.

Quando ocupou o cargo de diretor de informação na RM, Leonel Matias enfrentou o desafio das mudanças tecnológicas na maior estação de rádio em Moçambique. Adão Matimbe conta que "nessa altura, a RM cresceu bastante em termos tecnológicos e evoluiu bastante. Sem palavras. Foi o grande diretor de informação".

O atual diretor de informação da maior estação emissora, Paulo Jotamo, considera Leonel Matias um "grande professor". Além disso, diz Jotamo, "foi o diretor de informação mais organizado e firme no que fazia e sempre disposto a ajudar". Paulo Jotamo diz que o país, e de forma particular o jornalismo moçambicano, "perde um profissional de mão cheia" e insta muitos jovens que pautam pela profissão, sobretudo os da Rádio Moçambique, "a seguir o legado de Leonel Matias".
 
O secretário-geral do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), Eduardo Constantino, que partilhou a redação central com Leonel Matias, descreve o malogrado como um "colega incomparável" e afirma que "a comunicação social está de luto com a sua perda". Constantino diz que Matias era "um homem íntegro, humilde e muito dedicado ao trabalho como não há muitos". O secretário geral do SNJ Eduardo Constantino acrescenta que Leonel Matias mostrava preocupação em "ensinar e não se colocava acima de ninguém. Tinha um comportamento afável".

Um "modelo" para os jovens jornalistas

A última peça de Leonel Matias na DW foi para o ar a 10 de setembro de 2021, nove anos depois de começar a trabalhar com a emissora alemã. A sua colaboração terminou com um dos seus resumos claros e "clínicos" a que já tinha habituado os ouvintes e leitores sobre o tema que dominava as manchetes por esses dias: o julgamento das dívidas ocultas, o maior escândalo de corrupção da história de Moçambique.

Dívidas ocultas: O último trabalho de Leonel Matias na DW

No departamento de Português para África, o dia é de luto "pela perda de um colega tão querido e respeitado, que por muitos anos foi uma das vozes marcantes da DW em Moçambique, reportando incansavelmente o que acontecia no país", recorda Marcio Pessôa, chefe de redação. "Os nossos pensamentos estão com a família, a quem estendemos as nossas mais sinceras e profundas condolências neste momento difícil", afirma.

Também Johannes Beck, ex-chefe de redação, lembra o correspondente com um sentimento de gratidão pelos anos de trabalho juntos.  "A minha colaboração com Leonel Matias começou em 2012. Após o fim das emissões da BBC para a África lusófona, nós, como DW África, tivemos a oportunidade de o recrutar. Já nos primeiros contactos e, mais tarde, durante muitos encontros em Moçambique, fiquei impressionado pelo seu jeito humilde. Leonel era um excelente jornalista e um modelo para muitos jovens colegas moçambicanos, mas nunca fez questão de se gabar disto. Algo que salientou, sobretudo numa profissão mediática".

"Nas reportagens", continua Johannes Beck, "sempre focou os factos e o jornalismo independente, valores que combinavam perfeitamente com o jornalismo da DW. Com as suas peças enviadas a partir de Maputo, Leonel desempenhou durante muitos anos um papel decisivo na cobertura dos assuntos moçambicanos para os nossos ouvintes e leitores da DW África", frisa.

Sempre pronto para recolher as reações aos assuntos na ordem do dia, em 2018, um dia após a morte do líder histórico da RENAMO, Afonso Dhlakama, Leonel Matias pintava o cenário vivido em Maputo, durante a emissão da manhã da DW.

Leonel Matias fala das reações à morte de Afonso Dhlakama

"Em 2021, deixou de trabalhar como correspondente freelancer para a DW, por motivos de saúde. Na altura, isto foi uma grande perda para a equipa editorial. A notícia da sua morte faz-me sentir ainda muito pior. Perdemos um grande profissional e uma pessoa exemplar", conclui o antigo chefe de redação da DW África. 

Profissionalismo e "moçambicanismo"

Entre os colegas da DW, multiplicam-se as memórias e o sentimento de orgulho. "Tive a honra de me cruzar várias vezes com o Leonel Matias, em Maputo, e orgulho-me de o ter tido, durante muitos anos, como amigo e colega de trabalho", diz o jornalista António Cascais.

"Para além de ser um excelente jornalista, o Leonel era portador de um 'moçambicanismo' do tamanho do planeta, cultivado em tempos em que o relógio do mundo ainda era analógico; ou seja: o Leonel tinha um enorme calor humano, um humor refinado e de uma sabedoria acumulada ao longo de várias décadas e diferentes sistemas e épocas".

"Também para mim foi mesmo uma grande honra que os nossos caminhos se tenham cruzado", escreve a jornalista Cristiane Vieira Teixeira. "Vou sempre lembrar-me da elegância do Leonel no trato com os colegas, do seu profissionalismo e da sua seriedade, da sua voz firme e marcante a dar as notícias de Moçambique e, com um carinho especial, do dia em que nos encontrámos em Maputo, pela primeira vez pessoalmente, na minha primeira visita a Moçambique. Que seja recebido com a mesma generosidade e gentileza lá em cima. Estamos de luto".

DW-Treffen | Leonel Matias, Johannes Beck, Marta Barroso, Annelie Moreira da Silva und Romeu da Silva
Leonel Matias (à esq.) e os então colegas da DW Johannes Beck, Marta Barroso, Annelie Moreira da Silva e Romeu da Silva, em 2014Foto: Johannes Beck

"Quem teve o privilégio de trabalhar com o Leonel Matias e de se cruzar com ele em Maputo sabe que era 'um senhor' em todos os sentidos da palavra", afirma a jornalista Madalena Sampaio. "Um senhor no jornalismo, que impressionava não só pelo rigor, seriedade e postura profissional, mas também pelo companheirismo, boa disposição e disponibilidade em todas as horas. E um senhor como pessoa e amigo, de coração aberto e gentileza como já pouco se vê".

"Não me vou esquecer dos convívios em Maputo, dos sábios conselhos e do sentido de humor único de um grande jornalista que marcou a nossa redação", promete. "Já tínhamos saudades do Leonel e da sua voz desde que se retirou do jornalismo e vamos ter ainda mais saudades agora".

"Ele era um excelente profissional, de texto impecável e cumpridor da sua palavra", recorda a jornalista Nádia Issufo. "É um exemplo a seguir, sem dúvida".

O funeral terá lugar na sexta-feira, 19 de maio, no cemitério de Lhanguene. A DW endereça as mais sentidas condolências à família enlutada.

"Um abraço, Leonel. Vamos sentir maningue a tua falta. Kanimambo", resume António Cascais. "Estamos juntos", diz Madalena Sampaio.