Jogador angolano faz sucesso na Alemanha e sonha com Copa de 2014

Os ingleses podem ter inventado o futebol, mas não há como negar que o mundo da bola fala mesmo é português. Brasileiros, portugueses, angolanos, moçambicanos e tantos mais: os países lusófonos são apaixonados pela bola e em todos eles, meninos e meninas correm descalços pelas calçadas e sonham em ser o próximo craque da seleção. No cenário de uma Luanda que ainda respirava a violência, no início dos anos 90, Nando Rafael era mais um menino com o sonho de jogar futebol. Ele perdeu os pais na guerra civil angolana, deixou para trás seu país natal em 1994 e passou a viver como exilado na Holanda, mas nunca abandonou sua cultura, suas raízes e seus sonhos.

Na Holanda, o sonho de jogar futebol começou a virar realidade. Mas a trajetória de Nando Rafael não tem nada de contos de fadas: foi preciso trabalhar duro, treinar muito e aprender sempre. Na escola, um professor percebeu que o menino africano era melhor que os demais durante os jogos e mandou uma carta para o Ajax, clube de Amsterdã, sugerindo um teste com o garoto. Tinha dez anos. "Joguei uns dois jogos e depois eles me aceitaram. Comecei a jogar lá até à idade de 17 ou 18 anos", lembra.

O sonho de jogar profissionalmente, porém, esbarrou nas leis do Asilo Político. A Holanda não o permitia ter um contrato de trabalho e foi na Alemanha que ele encontrou respaldo legal para entrar em campo como profissional. A experiência anterior, poupou Nando Rafael de mais testes e o Hertha Berlin garantiu sua estreia como profissional.

Persistência para vencer

Nesse caminho, Nando Rafael viu muitas grandes promessas surgirem e desaparecem mesmo antes de consolidar o sucesso e entendeu que, para firmar-se como profissional, não bastava ter talento. Era preciso dedicação constante e muita vontade. Cheio de fé, acredita que teve uma "ajudinha lá de cima", mas que tem cumprido com determinação a sua parte. Ele conta que ainda na escola do Ajax encontrou jogadores que julgava muito mais talentosos do que a si próprio: jogadores conhecidos por todos, "mas que hoje ninguém fala deles".

O atacante acredita que foi a falta de disciplina que os tirou dos relvados e por isso, reforçou suas convicções de que é preciso persistência para vencer: "só com talento não é suficiente para chegar ao nível profissional". Para chegar em equipes como na Bundesliga, garante, "tem que ter talento e disciplina".

Com a camisa da seleção alemã

Longe de Angola, da Holanda, mas perto do público alemão, Nando começou a ter destaque e não tardou um convite para defender a bandeira preta, vermelha e dourada: "chegou uma altura que eles queriam me dar a nacionalidade alemã porque viram o meu talento e eu poderia também jogar na seleção da Alemanha." Com o passaporte bordô nas mãos, ele foi convocado para a seleção sub 21 da Alemanha e entrou em campo a defender o país. Não foi algo de que tenha se arrependido, claro, mas o jogador assume que foi bastante ingênuo na altura. Disse que decidiu aceitar o convite influenciado por terceiros.

O tempo trouxe maturidade em campo e também fora dele. Com ele também veio a paz em Angola e, depois disso, Nando se viu novamente em contato com suas raízes. Mais próximo da família que havia ficado em Luanda, reencontrou seu lado angolano. "Comecei a saber mais do meu país, comecei a criar aquela relação com Angola", explica.

A transformação em Palanca Negra

Essa aproximação rendeu uma reviravolta na vida do jogador, não apenas no aspecto pessoal. Ao fim de alguns anos, decidiu se tornar mais um dos Palancas Negras e pediu autorização da FIFA para defender a sua nação africana como profissional.

Ser cidadão alemão e ter uma vida europeia foram fatos que influenciaram sua personalidade, mas ele diz ser mais feliz ao vestir a camisa da seleção angolana. Além do orgulho que sente, "a responsabilidade é muito maior" do que quando representava a Alemanha.

O sonho de jogar numa Copa do Mundo

Nando Rafael espera ajudar os Palancas Negras a conquistar uma das cinco vagas da Africa para disputar o Mundial do Brasil em 2014. Mas além desta, tem ainda outras ambições profissionais: "todo o menino que joga futebol sonha em um dia jogar numa Copa do Mundo". Angola já se classificou para um mundial: fez sua estreia na Copa da Alemanha, em 2006" e vai encarar a rodada eliminatória em 2013.

Enquanto aguarda a hora de entrar em campo por seu país, Nando Rafael celebra aquilo que já conquistou: é um jogador profissional, já marcou gols em estádios grandes, jogou à frente de 80 mil pessoas, disputou o campeonato europeu, jogou por duas seleções.

Português na ponta da língua

Mesmo loge de Angola desde os oito anos, Nando não perdeu o contato com a língua mãe e em suas andanças pelo mundo do futebol, acabou fazendo amizade com brasileiros e outros lusófonos. Falar português é, para ele, motivo de orgulho. "Claro que tenho algumas dificuldades para falar, mas acho que é o suficiente para uma conversa", diz, com fluência. Culturalmente também, ele não titubeia na hora de se definir: "sou angolano de sangue e carne".

O jogador do Augsburg, fiel a suas crenças, tem dois conselhos: "crer em Deus, já que as coisas na vida não são fáceis", diz, com a experiência de quem já superou muitos obstáculos. E , em segundo lugar, "sempre querer aprender, sempre querer ser o melhor".

Autora: Ivana Ebel
Edição: Marta Barroso