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Guerra esquecida na República Centro-Africana

AFP | rl | Reuters
2 de maio de 2017

O conflito violento entre grupos rebeldes continua a fazer vítimas mortais na República Centro-Africana. A Human Rights Watch afirma que, nos últimos três meses, os confrontos fizeram, pelo menos, 45 mortos.

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Zentralafrikanische Republik Flüchtlingscamp Kaga-Bandoro nach einem  Angriff
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Belluz

Segurando um martelo, Marcel Hamat atravessa a sua casa, ou o que resta dela. O africano de 52 anos está, pela primeira vez, de volta à sua cidade natal, Iyeda, depois de esta ter sido atacada em outubro de 2016.

Iyeda está localizada entre as duas frentes do conflito que, desde 2013, persiste na República Centro-Africana (RCA) e é hoje uma cidade fantasma. A oeste, o bairro Koui está controlado pelo 3R – que significa "retorno, recuperação e reabilitação” - um grupo armado composto, predominantemente, por muçulmanos da comunidade Peuhl (também chamada Fulbe). No lado este, encontra-se a cidade de Makunzi Wali, maioritariamente cristã, e governada pelo anti-Balaka.

A casa de Hamat, assim como a dos seus vizinhos, foi incendiada. "Foi o que os Peuhl fizeram aqui”, afirma Hamat, ao mesmo tempo que parte os últimos restos de metal da parede da sua casa que ele ainda espera usar no seu novo "refúgio”, em Makunzi Wali. Como cristão, Hamat está sob a proteção do anti-Balaka, cujo um dos líderes é Goumou Passy.

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Goumou Passy, líder do grupo anti-BalakaFoto: DW/A. Kriesch

O maior inimigo de Passy é a milícia 3R em Koui. Durante várias semanas, Goumou Passy bloqueou o fornecimento de ajuda a Koui, o que agravou a situação humanitária na região. "Esta é uma guerra e cada lado tem as suas próprias estratégias", afirmou o líder do grupo anti-Balaka à DW, acrescentando que a "decisão de suspender a ajuda” é apenas por "algum tempo".

Em Koui, o comandante Sidiki Abass é o responsável da mílicia 3R. Vestindo um turbante e roupão branco, encontra-se à frente da sua casa, guardado por homens fortemente armados. Abass afirma contar com mais de mil combatentes no seu grupo.

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Sidiki Abass, líder da mílicia 3RFoto: DW/J.-P. Scholz

A organização Human Rights Watch (HWR) acusou o seu grupo de violações de direitos humanos que incluem tortura e violações sexuais. Abass nega implicações em tais crimes. "Nós, Peuhl, não estamos seguros aqui, estamos constantemente a ser atacados por bandidos e anti-Balaka", afirmou à DW o líder da milícia 3R em Koui, acrescentando que se "o governo não assume responsabilidade, nós temos que o fazer”. "Se os 3Rs desaparecerem, será um desastre”, acrescenta este responsável, ao mesmo tempo que recebe representantes de organizações de socorro, assim como jornalistas, no seu palácio. "O anti-Balaka quer expulsar todos os muçulmanos daqui. Eles trouxeram tantos desastres. Um sem número de ​​casas e aldeias muçulmanas foram incendiadas", conta.

Confrontos sem fim à vista

República Centro-Africana precisa de dinheiro e ideias

Os confrontos na República Centro-Africana (RCA) estendem-se há vários anos. Em outubro de 2013, o grupo Seleka, formado por uma maioria muçulmana, derrubou o governo de Francois Bozizé, acusando-o de negligência e marginalização. Saquearam cidades e aldeias inteiras, levando à formação do movimento anti-Balaka. Originalmente, este era um grupo de defesa composto maioritariamente por cristãos, no entanto, ao longo do tempo, a milícia caiu nas mãos de gangues de jovens armados.

Em 2016, os eleitores da República Centro Africana elegeram um governo oficial, no entanto, o seu poder e controlo não se estende fora da capital Bangui. O país foi-se tornando cada vez mais polarizado ao longo de linhas religiosas e étnicas. Atualmente, catorze grupos armados rebeldes estão ativos na RCA. Existem confrontos frequentes entre as duas frentes e que acabam por envolver a população.

Recentemente, várias agências chamaram a atenção para a crise no país. Esta terça-feira (02.05), a Human Rights Watch (HRW) divulgou um relatório que dá conta que, nos últimos três meses, os confrontos entre os dois grupos étnicos fizeram 45 vítimas mortais e 11 mil deslocados. "Enquanto as facções disputam o poder na República Centro-Africana, civis de todos os lados estão expostos aos seus mortíferos ataques”, afirmou em entrevista à DW, Lewis Mudge, investigador da HRW, acrescentando que a situação "é preocupante”.

Segundo o responsável, os dois grupos armados continuaram a atacar-se mutuamente, mesmo com o desdobramento de mil tropas de paz da ONU na região. "Desde o final de 2016, esta luta aumentou em voracidade", disse Mudge à DW. "Eu acho que nosso número é baixo, mas o número [de mortes de civis] é realmente muito maior".

Segundo este responsável, a contagem da organização teve como base entrevistas, realizadas em abril, a residentes na cidade de Barbaric. "Estamos a assistir a graves abusos contra os direitos humanos e potenciais crimes de guerra" na RAC, afirmou.

Um apelo à paz

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Pastor Leon Dollet Foto: DW/J.-P. Scholz

Enquanto Abass está a falar com jornalistas, um grupo de homens - cinco pastores e um imã - espera pacientemente na sua sala de receção. Escreveram juntos uma carta onde pedem o fim do conflito.

"Aqui, não há diferenças entre os muçulmanos e os cristãos", diz o pastor Leon Dollet, ao entregar a carta a um trabalhador humanitário. "Sempre vivemos em harmonia", acrescentou à DW. "O 3R e o anti-Balaka é que estão a causar as tensões. Queremos viver juntos pacificamente de novo e queremos que as pessoas deslocadas das aldeias vizinhas regressem".

Marcel Hamat gostaria de voltar à sua aldeia com a sua família, mas atualmente isso é impensável. Com os restos da sua casa queimada, ele pensa construir um novo espaço para viver em Makunzi Wali. "O que aconteceu aconteceu", diz Hamat. "Mas eu não estou zangado, só temos que olhar para o futuro."

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