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Ex-prostituta arrisca a vida para salvar crianças que vendem o corpo no Quênia

31 de julho de 2012

Relatório da UNICEF afirma que quase 30% das crianças das áreas costeiras do país se prostituem. Elas trabalham em bares, boates e até em moradias particulares

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Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) revelou, em 2006, que quase 30% de todas as crianças das áreas costeiras do Quênia prostituiam-se. O abuso, segundo o relatório, acontecia em hoteis ao longo da costa do país, popular entre turistas estrangeiros. Por conta disso, o governo, as associações hoteleiras e ONGs lançaram uma campanha educacional em larga escala para alertar sobre o problema, além de um rigoroso código de conduta. O governo diz que a situação tem melhorado, mas há uma preocupação crescente de que o abuso continua a acontecer em moradias privadas e bangalôs. Diante desta alarmante realidade, uma mulher decidiu ajudar as crianças que se prostituem na região, mesmo que, para isso, tenha que arriscar a própria vida.

“Às vezes eu acordo e digo: vou desistir, vou deixar tudo, vou para a aldeia... Mas alguma coisa vem ao meu coração e diz: faça algo por essas crianças, elas não devem enfrentar o que você enfrentou”.

É com esse pensamento que a coordenadora da ONG Solidarity with Women in Distress (Solidariedade às Mulheres em Sofrimento), Grace Odembo, coloca seu vestido mais extravagante, um batom brilhante, e se aventura nas noites de Mombasa. Hoje, a mulher que um dia também teve que se prostituir, luta para salvar as crianças que vendem o corpo por dinheiro ou bebida, em boates decadentes e bares da cidade.

Bem vestida, ela vai, três noites por semana, até os locais frequentados por nativos da região e turistas estrangeiros que buscam por sexo pago.

“Então eu pago e vou para o clube como todos os outros trabalhadores do sexo. E assim, sou capaz de conversar com os outros trabalhadores do sexo”, conta Grace.

Resgatando crianças de bares e boates

Mombasa, KENYA: TO GO WITH AFP STORY : KENYA-TOURISME-PROSTITUTION-ENFANTS by Beatrice Debut Photo taken 19 June 2007 shows a mixed-race couple walking on a beach at Kenya's coastal town of Mombasa where sex-tourism, increasingly involving minors, has become rampant. Between 10 and 15 thousand under-aged girls are now involved in the growing industry that has prompted the Kenya government and hotel owners and managers to introduce a code that must be adopted by hotel operators along the Kenyan coast to prevent the prostitution of minors, many of them girls, by denying suspected under-age clients that are unaccompanied by a related adult admission without proof of age. AFP PHOTO / TONY KARUMBA (Photo credit should read TONY KARUMBA/AFP/Getty Images)
Sextourismus Prostitution KeniaFoto: TONY KARUMBA/AFP/Getty Images

Sentada à mesa, bebendo cerveja e segurando um cigarro apagado na mão, Grace, volta, discretamente, a sua antiga vida. A ex-prostituta, no entanto - uma mulher de fala suave, com pouco mais de trinta anos -, não está mais à procura de sexo pago. Ela está no salão à procura de crianças: os strippers menores de idade que atuam perante olhares famintos, os meninos desaparecendo na noite com homens, meninas aceitando bebidas de estrangeiros... Só este ano, Grace resgatou 20 crianças da prostituição. A mais jovem tinha 12 anos.

“Eles realmente não querem fazer o que estão fazendo e se justificam dizendo que estão lá porque perderam os pais, precisam cuidar dos irmãos, precisam ter certeza de que eles vão se alimentar. Alguns deles são crianças de rua, mas nós também temos um grupo de crianças que aluga um quarto pequeno e ficam juntos. Depois, à noite, eles saem para o trabalho sexual. Há também aqueles que são mantidos por cafetões”, relata.

Grace sabe que é a extrema pobreza que leva uma criança a uma casa noturna. Sua mãe solteira passou dificuldades para alimentar a família e ainda pagar suas despezas escolares. Grace foi salva da prostituição, em 2003, por uma organização criada por uma freira alemã na década de 1980, a mesma na qual trabalha atualmente.

Mas para cada criança que ela salva, há muitas outras para tomar o seu lugar. Nos meses de verão, quando os habitantes locais e turistas invadem as praias, meninos e meninas do interior vão para o litoral à procura de trabalho. E muitos acabam na prostituição.

Crianças trabalham em locais privados

**ADVANCE FOR SUNDAY, MAY 17** In this photo taken on April 9, 2009, an unidentified Zimbabwean girl hangs around in the shadows near Musina truck stops along with other elder prostitutes, in South Africa. An increasing number of young Zimbabweans are setting out on their own to escape their homeland's economic ruin and help their families. International aid group Save the Children says some 500 Zimbabwean youngsters are in Musina today, compared to about 50 five years ago. But those committed to helping these children are anguished over one question: Where are the girls? They fear the girls have disappeared into forced prostitution or domestic work. (AP Photo/Tsvangirayi Mukwazhi)
Os homens pagam até dois mil shillings quenianos para fazer sexo com uma garota de 12 anosFoto: AP

O funcionário do Gabinete Regional para Crianças, Eric Mugaisi, acredita que as crianças trabalham em locais privados. “Nós suspeitamos que isso poderia estar acontecendo em casas particulares ou casas de campo, porque lá você não pode simplesmente ir e perguntar ou mesmo fazer buscas, porque você tem que ter permissão para isso”, explica Eric.

Eric atende a chamadas de chefes de aldeias e de moradores preocupados, que relatam casos de crianças desaparecidas. Ele envia grupos de busca às praias e aldeias - mas quase nunca a moradias privadas. “Alguém pode levá-lo ao tribunal por invasão ou por interferir em sua privacidade, se você não tem nenhum caso em mente. Então é aí que mora o desafio”, ressalta.
"Eu não estou segura"

prostitution in the slums of Nigeria.
Há suspeitas de que as crianças trabalham em moradias particulares de quenianos ricosFoto: picture-alliance / Ton Koene

E é esse desafio que mantém Grace acordada, passando pelos bares à noite. Ela sabe de casos de meninas que foram contrabandeadas para casas particulares, muitas vezes, propriedades de quenianos ricos ou pequenos hoteis não registrados.

Ela acredita que os números podem estar crescendo. Mas há pouco que ela possa fazer. Grace tem recebido ameaças de donos de bares e seguranças. “Eu não estou mesmo segura. Qualquer coisa pode acontecer comigo”, desabafa.

Apesar de seu medo constante, ela continua com seu trabalho noturno, pelo qual não é paga. É a paixão que faz com que ela saia à noite em busca das crianças. “Se eu morrer amanhã por dar a uma criança a chance de ter um amanhã, tudo bem. Eu não tenho medo”, diz.

Quanto mais jovem for a criança, maior o preço. Os homens pagam até dois mil shillings quenianos para fazer sexo com uma garota de 12 anos, conta Grace. Ou seja, a destruição de uma infâcia custa pode custar menos de 20 euros.

Autora: Naomi Conrad / Melina Mantovani
Edição: António Rocha

01.08.12 Quénia - Prostituição - MP3-Mono