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Justiça de Moçambique em causa

Nádia Issufo
18 de maio de 2017

Em Moçambique causam sensação casos em que altos funcionários do Estado têm que responder perante a justiça por corrupção ou peculato. Na opinião de analistas, poucos casos vêm a público e não são devidamente punidos.

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Justitia mit Pendelwaage
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten

O caso mais recente é o do ex-ministro da Justiça Abdurremane de Almeida, que deverá responder em tribunal por crimes de abuso de funções e mau uso dos fundos do Estado. O antigo ministro terá financiado uma peregrinação a Meca no valor de um milhão e 780 mil meticais (cerca de 23 mil euros) a três indivíduos não afetos ao Estado. O Gabinete Central de Combate à Corrupção lançou uma investigação em março de 2016, altura em que Almeida foi exonerado.

Será que se tratou de um exemplo dos esforços envidados pela justiça moçambicana para punir altos funcionários do Estado, que normalmente saem impunes dos seus crimes? Ou foi uma distração oportuna num momento em que o povo moçambicano clama por justiça no caso das dívidas ocultas? À questão colocada pela DW África, o analista Egídio Vaz responde: "Julgo que o sistema de justiça ultimamente tem estado a merecer comentários desabonatórios, principalmente por não oferecer uma prova clara de estar a fazer o seu trabalho”.

Ressocialização de luxo

Segundo Egídio Vaz, há, neste momento, uma certa pressão pública “num contexto de transição política e geracional, onde as instituições e as pessoas fazem para preservar o seu posto e também a integridade profissional”.

Mas o facto de algumas pessoas terem recentemente “caído nas malhas da justiça” é considerado um mero acaso pelo especialista. Para ele, trata-se de pessoas que “têm mesmo azar”, uma vez que é raro que os dirigentes sejam chamados a responder pelos seus atos criminosos.

Egidio Vaz Historiker aus Mosambik
O analista moçambicano Egídio VazFoto: Marta Barroso

Quando acontece, e os réus são julgados e condenados, por vezes só cumprem uma parte da pena. Uma vez libertados são, de certa forma, “indemnizados” pelo poder. É o caso do ex-responsável dos Aeroportos de Moçambique, Diodino Cambaza, que voltou a assumir funções no Estado depois de cumprir a pena. Embora os moçambicanos questionem estas atitudes, o bastonário da Ordem dos Advogados, Flávio Menete, lembra: "É o que está legislado. O objetivo das penas restritivas da liberdade é a ressocialização do infrator."

Uma justiça com dois pesos e duas medidas

Muitas vezes não estão envolvidas somas avultadas na condenação de funcionários de Estado por corrupção ou uso indevido de bens do Estado. Mas há casos em que o crime envolve somas elevadas e tem repercussão internacional. Um exemplo é as chamadas “dívidas ocultas” que não mereceram a atenção da justiça até que Moçambique teve que ceder à pressão internacional e lançar uma investigação.

Será que há dois pesos e duas medidas no combate à corrupção em Moçambique? Na opinião de Egídio Vaz : "Claramente estamos perante uma situação onde o [nível] político está a influenciar o curso do esclarecimento. E temo que o resultado final vá ser politicamente ponderado.” O especialista alerta para a forma como decorreu o processo neste caso específico: ”São dois anos que os prováveis implicados tiveram para distorcer todo o tipo de informação que julgassem necessário e passível de os integrar."

18.05.17. ONLINE Justica Moc. - MP3-Mono

O crime não pode compensar

A desconfiança em relação ao sistema de justiça é generalizada no país. Em relação ao processo das dívidas ocultas, o bastonário da Ordem dos Advogados, Flávio Menete, diz que aguarda pelo trabalho do Ministério Público para tecer considerações. Mas para Menete é claro que se houver fortes indícios, deve haver responsabilização criminal e civil dos envolvidos.

Para este especialista, é necessário ir além da pena de prisão no caso dos criminosos de colarinho branco: "O que temos de assegurar é que o nosso sistema esteja devidamente preparado para tudo fazer no sentido das pessoas entenderem e sentirem que o crime não compensa”. Para este fim, Menete propõe que o que for adquirido em resultado de crime deve ser retirado aos criminosos: “A cadeia não resolve nada. No fim do dia o cidadão pacato é quem paga o imposto para manter esse cidadão lá dentro. Aquele pessoal é que devia estar a trabalhar para devolver ao Estado ou aos ofendidos o dinheiro ou bens de que se apoderaram. Aí sim haviam de sentir uma dor séria".