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"Da crise em Moçambique pode surgir algo positivo"

João Carlos/Lisboa4 de dezembro de 2013

Apesar de preocupado com a crise, o escritor moçambicano Mia Couto admite que ela possa ser necessária para possibilitar a mudança.

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Foto: DW/J. Carlos

Para o prémio Camões 2013, “não é aceitável que um partido político tenha uma extensão militar”. Mia Couto considera ser este um dos erros cometidos ao abrigo do Acordo de Paz assinado entre o Governo de Moçambique e a Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), principal força da oposição, liderada por Afonso Dhlakama. Refere o autor moçambicano em entrevista à DW África, em Lisboa. Couto deslocou-se à capital portuguesa para ser homenageado em vários eventos que assinalam os seus 30 anos de vida literária com cunho universal.

À margem do programa de três dias, Mia Couto conversou com a DW África sobre esta homenagem e a sua obra, mas também sobre a atual situação de crise político-militar em Moçambique, que opõe o Governo à RENAMO. Uma crise que inquieta o escritor: “Nós estamos a atravessar um período turbulento, sim, doloroso, porque evoca tempos que nós não queremos que se repitam”.

Dores de parto

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Elementos armados da RENAMO na Gorongosa. Mia Couto critica a existência deste braço militar de um partido políticoFoto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images

No entanto, o escritor vê também nesta crise a possibilidade de um recomeço: “Pode ser que esteja ali uma coisa que pode ser que sejam dores de parto. Quer dizer, está a nascer uma situação nova, há ali uma mudança, que tem que ser produzida assim, com um certo rasgão”. Mia Couto cita como exemplo a imposição de uma distribuição mais equilibrada do peso dos partidos após as eleições.

Este facto, adianta, “só pode ser bom para a democracia em Moçambique”. Mia Couto acredita que na génese deste conflito estão em causa várias coisas, não apenas a má distribuição da riqueza: “Não há uma resposta única”. O autor diz desconfiar de quem tem a “grande resposta como se fosse uma coisa simples”. A propósito da RENAMO, diz que aqui se misturam algumas pretensões que considera “completamente inaceitáveis”, com outras aceitáveis: “O que faz falta é que haja um território em que as duas partes se possam realmente sentar, e dispostas a abdicar de qualquer coisa”.

Erros que ficaram por corrigir

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O exército de MoçambiqueFoto: ALEXANDER JOE/AFP/Getty Images

Com 38 anos de independência, Moçambique vive a idade da maturidade, mas com muitos desafios a enfrentar. O escritor reconhece que, neste percurso, há erros que não foram corrigidos, depois do Acordo Geral de Paz, assinado em 1992: “Como é que se permitiu que durante anos, existissem dois exércitos no país. Não é aceitável que um partido político tenha uma extensão militar. Isso tem que se resolver já”.

O importante é encontrar uma saída para permitir a reconciliação nacional. Mia Couto é também favorável ao recurso a mediadores nacionais, posição defendida pelo partido governamental Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO, e rejeitada pela RENAMO que exige observadores internacionais para ajudar a resolver o conflito: “Concordo com a FRELIMO que esses mediadores devem ser nacionais. Não vejo que seja necessário colocar gente de fora”.

Escritor sem apoio

Biólogo, escritor e jornalista, Mia Couto é avesso às homenagens e à ideia de uma carreira, que começou com o livro de poesia “Raiz de Orvalho”, publicado em 1983: “Para dizer a verdade, eu não olho para isso. Eu acho que um escritor não tem carreira, está sempre a começar e a começar do zero. Na tarde de quarta-feira, 4 de dezembro, foi lançado, na Faculdade de Letras de Lisboa, o livro de contos infantojuvenil “O Menino no Sapatinho”, ilustrado por Danuta Wojciechowska. Segundo o autor, a obra retrata a situação de miséria de um menino, “que se supõe ser tão pequeno que cabe dentro de um sapato. Um livro que se adequa à quadra festiva que se avizinha: “É uma espécie de alegoria em relação àquilo que é a visão estereotipada do Natal. E este é um menino que tem tão pouca existência, que não se lhe pode dar outra prenda que não seja uma outra vida mesmo”.

Da crise em Moçambique pode surgir algo positivo, diz escritor Mia Couto

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