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Cabo Delgado: "Há dois níveis de segurança"

20 de abril de 2022

Mais de um ano após ataque que resultou na retirada da Total de Moçambique, não há sinais do regresso da gigante francesa. Investigador diz que há mais segurança, sobretudo em torno do projeto do gás, mas também receios.

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Foto: Roberto Paquete/DW

A TotalEnergies suspendeu em março de 2021 o projeto de produção de gás natural de 20 mil milhões de euros em Palma, no norte de Moçambique, após um ataque armado à vila. Foi no âmbito desse projeto que se começou a construir uma nova cidade e um complexo industrial para explorar as reservas de gás natural da Bacia do Rovuma.

Mais de um ano depois do ataque, ainda não há sinais de regresso da gigante francesa. Em entrevista à DW, o investigador João Feijó, do Observatório do Meio Rural (OMR), explica que a situação no terreno mudou, mas que a prioridade na região continua a ser a segurança.

Feijó diz, no entanto, que "a segurança não é a mesma" em todos os locais da província.

DW África: O regresso da multinacional francesa Total a Moçambique continua a ser uma miragem?

João Feijó (JF): Há mudanças importantes. Há um ano, havia uma ocupação física de uma grande parte do território - inclusive de várias vilas sedes distritais, mas sobretudo de Mocímboa da Praia. Hoje temos claramente mais segurança no terreno. Começa-se a pensar na reconstrução. Já há mais estabilidade militar. Nos últimos meses, os ataques diminuíram em incidência. Já se começa a sentir movimentos tímidos de regresso das populações. Portanto, isso não é propriamente uma miragem. Já começa a tomar alguma forma.

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João Feijó: "Na vila de Mocímboa da Praia, continua a haver muito receio de insegurança"Foto: DW

DW África: Na sua opinião, o que tem feito o Governo para o regresso da TotalEnergies a Moçambique?

JF: O Governo é uma entidade muito frágil. Não tem capacidade para, sozinho, implementar medidas nesse sentido. Tem tido claramente o apoio das forças internacionais militares, que estão a garantir a segurança, e também do Banco Mundial, para recuperar as infraestruturas onde, depois, o Estado poderá funcionar, criar serviços e apoiar as atividades económicas que indiretamente sejam complementares à Total. Para já, tem-se apostado sobretudo na segurança.

DW África: Há risco de um retrocesso e de um regresso dos ataques armados?

JF: A população pode vir a constituir um alvo fácil para eles, se recuperarem a logística. Roubando e raptando a população, continuando o conflito. A situação continua [em suspenso], mas já não é como há um ano atrás.

DW África: Mas neste momento, o que está a faltar para que a TotalEnergies regresse a Moçambique?

JF: Em primeiro lugar, a segurança, porque, apesar de as coisas estarem mais brandas, ainda não estão 100% seguras. Na vila de Mocímboa da Praia, um dos locais estratégicos que tem que estar seguro para a Total regressar, continua a haver muito receio de insegurança.

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Tropas internacionais da SADC em PembaFoto: Alfredo Zuniga/AFP/Getty Images

DW África: O presidente executivo da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, disse que a empresa só retomará as operações no norte de Moçambique quando as populações estiverem seguras. Há condições de segurança para o regresso da empresa? Ontem o ministro da Defesa Nacional, Cristóvão Artur Chume, asseverou que a situação em Cabo Delgado estava "muito mais estável".

JF: Temos que ver para quem é dirigido o discurso. O Governo fala a duas vozes, dependendo de a quem se está a dirigir. Há um discurso otimista, que normalmente é dirigido à Total, mostrando que o Governo está confiante e que a situação está encaminhada para o regresso da Total. Mas depois há um outro discurso que é emitido para as populações, segundo o qual devem esperar.

DW África: Corremos o risco de ter uma segurança a duas velocidades: uma para os projetos de gás e outra para o resto da província?

JF: Não corremos o risco, é uma realidade, porque em Palma e Mocímboa não há registo de grande violência. Essa violência acontece fora do triângulo Afungi-Palma-Mocímboa. Consolida-se ali uma economia de enclave, em que está mais protegido o negócio do gás. Mas na periferia, onde não existem grandes interesses económicos extrativos, a segurança não é a mesma. Portanto, há dois níveis de segurança e dois níveis de prioridades, naturalmente.

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Ataques no norte de Moçambique resultaram em milhares de deslocadosFoto: Alfredo Zuniga/AFP

DW África: Sobre este projeto de gás, o memorando de entendimento com o Governo prevê a formação de 2.500 jovens com o apoio da TotalEnergies. É credível que isso aconteça?

JF: É credível. 2.500 jovens pode parecer um número muito alto, mas se considerarmos que há 750 mil deslocados, 2.500 jovens é um número muito reduzido.

DW África: Se for para a frente, este projeto tem em atenção os interesses das comunidades locais?

JF: O grande interesse que tem mais capacidade de pressão e de lobby é o interesse do grande projeto de gás que envolve milhões - envolve rendas para o Estado moçambicano - que vão reforçar o Orçamento do Estado e vão possibilitar depois a execução de muitos projetos e a distribuição de recursos.

A população está desorganizada, está dispersa, no mato, longe dos média, das Embaixadas e das agências de desenvolvimento. Não está organizada e não se consegue constituir como um grupo de pressão capaz de exigir políticas públicas que a favoreçam. No médio prazo, quando começarem a vir as receitas do gás, aí poderão beneficiar. Mas como não são um grupo organizado capaz de pressionar e fazer lobby, serão sempre secundarizados na partilha dos benefícios.

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