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Aumento de gastos com a Defesa em Angola "não faz sentido"

Madalena Sampaio7 de dezembro de 2015

Economista angolano critica fatia destinada à Defesa e Segurança no Orçamento Geral angolano, contra "necessidade de investir na Educação e Saúde" e afirma que cortes na Justiça são "ataque à democracia".

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Foto: picture-alliance/dpa

Em Angola, o relatório final da proposta do Orçamento Geral do Estado para 2016 foi esta segunda-feira (07.12) aprovado na especialidade na Assembleia Nacional. O documento, que já tinha sido aprovado na generalidade, a 17 de novembro, está agora preparado para a votação final, na sexta-feira (11.12).

Angola vai ter mais gastos com a Defesa. Estão previstos para esta área 5,8 mil milhões de euros, ou seja, 13 por cento de toda a despesa pública. Praticamente o mesmo que vai gastar com os setores da Educação e da Saúde juntos. A fatia dedicada à Justiça também é menor.

A DW África falou com o economista angolano Filomeno Vieira Lopes, que critica o "aumento significativo" dos gastos com a Defesa, num "país cada vez mais militarizado, sem capacidade para resolver os problemas elementares".

DW África: Angola vai gastar 5,8 mil milhões de euros com a Defesa, quase o mesmo que prevê para a Educação e a Saúde juntas. Acha que se justifica?

Filomeno Vieira Lopes (FVL): Provavelmente, do ponto de vista da polícia governamental, uma vez que estamos com uma política extremamente agressiva em termos de controlo das populações, de repressão das liberdades democráticas e também a pretensão de intervenção a nível de África. Num país que neste momento não tem confrontos, não tem guerra civil, não faz sentido que haja este aumento significativo contra a necessidade de investir na Educação e na Saúde, que são os setores que permitem dar, efectivamente, estabilidade a qualquer país.

Filomeno Vieira Lopes Wirtschaftswissenschaftler
Filomeno Vieira Lopes, economista angolanoFoto: DW/N. S. D´Angola

DW África: Angola é o segundo país de África que gasta mais com forças militares. No entanto, um soldado das Forças Armadas angolanas ganha menos de 100 dólares. Não se trata de uma contradição, tendo em conta o orçamento avultado da Defesa?

FVL: Sim, há aí uma contradição. Há soldados que ganham muito bem, nomeadamente aqueles que estão ligados à Guarda Presidencial e os soldados que fazem missões especiais, mas, na generalidade, os soldados ganham mal. Parece que vai continuar a existir um conjunto de empresas de bens e serviços relacionados com o abastecimento das Forças Armadas. Recentemente, foi feita uma compra à China de 148 milhões de dólares em fardamento, o que não faz sentido. Podia-se, com isto, constituir um conjunto de bastantes fábricas e isso teria reflexos completamente diferentes ao nível do Orçamento Geral do Estado.

Também é preciso dizer que este setor da Defesa e Segurança é dos mais corruptos que o país tem. Ainda recentemente foi descoberto um negócio em que o país gastou três vezes mais do que aquilo que estava na factura. Há muito dinheiro desviado, muito dinheiro para missões extraordinárias, nomeadamente com a segurança do Estado, em que a utilização de fundos é perfeitamente ilimitada. Isto faz com que sofram os setores mais desprotegidos, nomeadamente o dos soldados. Cada vez mais estamos num país militarizado, sem capacidade para resolver os problemas elementares.

DW África: Na sua opinião, a que áreas é que Angola deveria dar prioridade, investir mais, sobretudo nesta altura de crise económica?

FVL: Deveria investir-se em setores que poderiam permitir que Angola deixasse de investir com tão pouca eficiência. Há muito desperdício e muita corrupção. Nesta fase de crise, é preciso que os mecanismos de gestão sejam aperfeiçoados e, nomeadamente, diminuir o mais possível os custos de desperdício. Era importante que se investisse fundamentalmente aí. É preciso também investir seriamente na Educação e na Saúde. Note-se que estamos a investir nestes dois setores abaixo de 15 por cento do nosso Orçamento Geral do Estado, quando a maior parte dos países africanos investe cerca de 40 por cento.

Os investimentos deveriam, naturalmente, ser canalizados também para financiar a diversificação económica. Toda a gente sabe que não se faz de um dia para o outro, já que há muito atraso nesta matéria, mas era preciso dar sinais muito mais evidentes. E sabemos que o Orçamento Geral do Estado é expansionista do ponto de vista das despesas correntes, mas há uma retracção em termos daquilo que são os “bons custos”, do investimento. Fala-se muito em diversificação económica, mas não se compreende que investimentos poderão conduzir a essa diversificação quando, ainda por cima, grande parte do pouco investimento que existe é, sobretudo para construção de obras vistosas que possam criar a sensação de que o país está num grande progresso.

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DW África: Além disso, as despesas com a Justiça também sofrem cortes. Na sua opinião, o que é que isso poderá representar?

FVL: É um ataque à democracia. Provavelmente, alguns benefícios e regalias poderão estar afectados a juízes. Sabemos que há membros do Tribunal Constitucional que têm Jaguares, mas que o orçamento de funcionamento para estes órgãos é extremamente reduzido, quando há extremas dificuldades em fazer justiça em Angola. Por isso é que há excessos de prisão preventiva e outros factores.