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Deslocados "à sua sorte" em Cabo Delgado

27 de fevereiro de 2024

População foge de ataques terroristas sem dinheiro, em camiões desconhecidos, sem saber para onde e sem apoio à chegada. Ativista da ONG Kuendeleya acusa Governo de não fazer nada pelos deslocados no norte de Moçambique.

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Foto de arquivo (2022): Deslocados em fuga de Metuge, Cabo Delgado
Foto de arquivo (2022): Deslocados em fuga de Metuge, Cabo DelgadoFoto: Alfredo Zuniga/AFP

A vila de Mmala, no sul da província de Cabo Delgado, tinha mais de 11 mil habitantes. Hoje, está completamente deserta devido aos ataques terroristas que se registaram nos últimos dias. Muitos partiram numa viagem de três dias a pé, por campos agrícolas e estradas, com crianças ao colo e num movimento simultâneo de milhares de pessoas.

O que tem sido feito pelas autoridades para proteger a população no local? E para acolher os que fogem? "Nada", diz, em entrevista à DW, o ativista Milo Mariano, da organização não-governamental Kuendeleya.

O ativista alerta ainda para a cobrança de "portagens" pelos terroristas aos veículos que transportam deslocados e para a falta de fiscalização, uma "fragilidade" que insurgentes aproveitam para se "infiltrarem" entre a população que foge.

DW África: Como é que a população está a ser protegida nas aldeias atacadas?

Milo Mariano (MM): Isto está um caos, está descontrolado. Parece que o nosso Governo está muito atrapalhado perante esta situação. Nos mesmos dias em que se registaram os ataques, [as autoridades moçambicanas] passaram lá simplesmente para fazer uma ronda e depois regressaram à vila de Chiùre ou voltaram para a zona onde não podem ficar a proteger os interesses do gás, em Palma e Mocímboa da Praia. Aí, estou a falar mais dos ruandeses. As nossas Forças Armadas de Moçambique ficaram lá [em Mmala] por uma semana e neste momento estão em Chiùre, na vila, não lá em Mmala a tentar ver se podem proteger aquele posto administrativo, aquele povoado.

Milo Mariano chegou a ser detido durante um dia, no ano passado, em Pemba, enquanto protestava em defesa dos deslocados
Milo Mariano chegou a ser detido durante um dia, no ano passado, em Pemba, enquanto protestava em defesa dos deslocadosFoto: privat

DW África: Chiùre é hoje o último reduto de alguma segurança nas proximidades. O que sido feito, ali, para acolher os que fogem?

MM: Nada, nada. Eu, pessoalmente, fui a Chiùre para ver como é que eles estão a ser tratados. Eu ouvi uma situação muito triste e que eu até reportei também: os que estão a fugir, a correr de um lado para o outro, fogem à sua sorte. Sobem para camiões que não sabem de quem são, de onde vieram, sem nenhum dinheiro e sem nenhum apoio. Eles simplesmente seguem para onde vai aquele camião. Algumas pessoas até vão a pé. O Governo diz que não tem como ajudar. Só se fosse para eleições é que eles teriam mobilizado camiões para salvar pessoas, para levar mais eleitores de um posto para outro. Para isso eles têm dinheiro, mas dinheiro para salvar, para dar assistência nos primeiros dias a quem foge, não.

A agravar a situação, os terroristas param [as pessoas] na estrada para fazer uma espécie de portagem. As pessoas, os automobilistas, os que têm grandes mercadorias, têm que pagar para passar, 50.000 ou 60.000 meticais [cerca de 800 euros]. Isso existe. Essas informações existem, só que os média nacionais descredibilizam as pessoas que devíamos proteger. Eles [os terroristas] estão a tirar proveito disso tudo, é terrível.

DW África: A polícia diz que alguns dos que fugiram são "insurgentes infiltrados". Quais são as evidências concretas?

MM: Infiltrados não vão faltar, porque eles também estão com medo. Alguns querem migrar para novas áreas, outros mesmo abandonar aquela vida e fugir dos terroristas. São coisas que eu vejo sempre que estou aqui em Cabo Delgado. Os autocarros não são vasculhados e isso cria também uma certa fragilidade, uma oportunidade para se infiltrarem entre os deslocados.

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DW África: E qual seria uma solução para este conflito?

MM: Não é muito simples. O problema é que nós estamos a falar como se fosse algo como no início, em 2017, em que eles diziam que era "algo sem rosto". Agora não. As autoridades sabem. É uma questão de boa vontade, porque agora já se fala numa possível negociação. Só se negoceia com quem se conhece. Basta uma só ligação e isto acaba, porque as autoridades sabem quem são [os responsáveis pelos ataques].

DW África: Mas o que o Governo ganharia em não solucionar este problema e permitir o avanço dos terroristas?

MM: Uma das coisas também que acontece na nossa província é que os recursos saem sem nenhum controlo. O gás, os rubis e o petróleo estão a sair sem que nós possamos fiscalizar. Isso também conta muito, é uma distração. Quem sabe quantos barris de petróleo saem por dia? Quantos metros cúbicos de gás? Quantos carros de rubis? Ninguém sabe, porque nós estamos entretidos a correr um lado para outro enquanto eles vão enriquecendo. É simplesmente uma distração para extraírem o máximo possível nesses últimos mandatos.

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Tainã Mansani Jornalista multimédia