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Angola terá dificuldades em honrar compromissos com a China?

João Carlos (Lisboa)10 de maio de 2016

A queda do preço do petróleo alterou a correlação de forças entre Angola e parceiros externos, como a China. Luanda foi obrigada a aumentar as exportações ao país asiático, que, apesar da crise, continua a ser atrativo.

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Presidente angolano, José Eduardo dos Santos (esq.), encontrou-se com o homólogo chinês, Xi Jinping, em 2015, em PequimFoto: Reuters/W. Zhao/Pool

Angola exporta cada vez menos petróleo para países terceiros. Porém, com a baixa dos preços, o volume de crude que o país fornece à China em cumprimento das suas obrigações financeiras cresceu consideravelmente. Será que a parceria especial com o gigante asiático está a asfixiar a economia angolana?

Ricardo Soares de Oliveira, professor Associado de Política Africana no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford, considera que a relação Angola-China, entre 2004-2014, foi brilhante no plano diplomático, como forma de travar a influência excessiva dos ocidentais.

Os preços altos do petróleo permitiram a Angola retirar mais-valias de vários parceiros externos sem ficar na mão de ninguém, refere o autor do livro "Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil” (2015). "A partir do momento em que os preços do petróleo diminuem, Angola torna-se muito mais dependente desses parceiros externos e, no contexto da China, ela exerceu muito essa nova influência que tinha, tentando extrair mais influência, mais concessões por parte de Angola", explica.

Angola Sitz der Erdölfirma Sonangol
Sede da petrolífera estatal angolana Sonangol, em LuandaFoto: DW/N. Sul d'Angola

Ou seja, o poder que Angola conseguiu estabelecer na relação bilateral tem vindo a diluir, estando a posição chinesa a se tornar mais acertivo ao longo dos últimos dois anos, acrescenta o académico, crítico da política económica angolana da última década marcada pelo boom do preço do petróleo.

Não teria sido mais vantajoso diversificar as vendas de petróleo e não apostar tanto em projetos de reconstrução financiados com créditos da China? Ricardo Soares de Oliveira acredita que a relação com a China foi uma relação que Angola geriu de uma forma "muito inteligente".

"E se Angola não pode ir mais longe nessa relação é porque a estrutura da economia angolana não permite", diz, explicando que Angola só poderia ter uma relação mais flexível com a China se tivesse uma economia menos dependente do petróleo e mais diversificada. "Só num contexto de genuína diversificação, nomeadamente a criação de indústria e de agricultura comercial, é que Angola pode mesmo transcender a dependência, não só dos chineses, mas de outros parceiros externos".

Imposição chinesa

Para o académico, se isso não acontecer, Angola vai continuar muito dependente de uma conjuntura específica, respetivamente de poder e de diluição dele, consoante a subida ou a descida do preço do petróleo, o que condicionará as relações com os seus parceiros externos.

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Hélder Oliveira, administrador executivo da Fundação Portugal-África, admite que, apesar da crise que agora atinge a sua economia, a China continua a ser um parceiro atrativo para Angola. Mas critica o poderio chinês, que apenas tem interesse em colocar os seus produtos em África.

"A China impõe os seus interesses e impede, do meu ponto de vista, que as próprias economias com que colabora se diversifiquem. É o caso de Angola. O país tem uma necessidade profunda de diversificação da sua economia", diz, sublinhando que a atual crise do petróleo demonstra claramente isso. "Os interesses chineses, tanto quanto eu sei, não ajudaram essa diversificação".

O outro lado

Para Ricardo Oliveira, esta conjuntura é absolutamente péssima para um país como Angola e não há razão para pensar que ela vai mudar a curto ou médio prazo. "Porque a China não vai passar a crescer outra vez 12% ao ano, não vai nunca mais necessitar de um nível de importação de petróleo, nomeadamente no caso angolano, que historicamente precisou pelo menos nos últimos 15 anos", explica. Por conseguinte, "vai ser um período bastante longo de vacas magras, no que diz respeito ao setor petrolífero em Angola. Esperemos que isso resulte num incentivo muito grande para a diversificação da economia angolana", conclui.

A DW África questionou Ricardo Oliveira se a publicação de documentos relacionados com paraísos fiscais como os "Panama Papers" aumenta a pressão pública para que haja também transparência nos acordos comerciais entre Angola e China. O académico afirma que esta não é uma dinâmica específica de Angola e da China.

"São questões que têm que ver com a natureza da economia mundial e, por conseguinte, temos que colocar a relação Angola-China num contexto mais lato e não ver isto exclusivamente num prisma bilateral", diz o autor.

Ölproduktion in Angola
Produção angolana de petróleoFoto: MARTIN BUREAU/AFP/Getty Images

No entanto, até que ponto a escolha da China, como parceiro pelo Governo angolano, terá sido motivada pelo facto dos chineses não criticarem a violação dos direitos humanos pelo regime de Luanda?

Esta foi sempre a estratégia de Pequim não só em Angola, responde Hélder Oliveira. "A China tem uma estratégia de fundo para defender e afirmar os seus interesses em todo o lado. Curiosamente, Angola também seguiu uma estratégia – a chamada “Estratégia 2025” – um trabalho de profundidade feito por vários especialistas discutido no âmbito do Plano de Desenvolvimento Nacional, que se afirma em cada momento", enfatiza.

China não critica

Ricardo Oliveira diz que, tal como os países ocidentais, a China não critica questões de direitos humanos. "Acho que é incorreto fazer uma distinção demasiado vincada entre os países ocidentais e a China. Acho que em Angola toda a gente está interessada em fazer negócios [Brasil, Portugal, Israel, mas também os EUA, etc.] e pautaram sempre uma grande discussão no modo como confrontaram a questão dos direitos humanos", comenta.

O especialista português falou à DW África à margem de uma conferência sobre os "Direitos Humanos e os Desafios do século XXI", encerrada esta terça-feira (10.05) na Fundação Calouste Gulbenkian, tendo a sua intervenção centrado na influência dos Estados autoritários nas sociedades democráticas.

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