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"A esperança é algo que o guineense nunca perdeu"

António Rocha18 de maio de 2014

Moema Parente Augel é autora do livro "O Desafio do Escombro", que discorre sobre nação e identidade na literatura da Guiné-Bissau. À DW África, falou sobre a necessidade de "recomeçar" após dois anos de transição.

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Foto: J. Augel

A professora e escritora Moema Parente Augel, que vive em Bielefeld, na Alemanha, dedica-se há décadas às literaturas africanas e brasileiras, nomeadamente à literatura guineense.

Tendo vivido na Guiné-Bissau entre 1992 e 1998, Moema Augel publicou uma série de estudos a respeito, destacando-se a Nova Literatura da Guiné-Bissau. Em entrevista à DW África, ela confessa ser uma apaixonada pela Guiné-Bissau – daí o seu interesse por tudo que se passa no país.

DW África: Porquê esse amor e preocupação pela Guiné-Bissau?

Moema Parente Augel (MPA): Eu e o meu marido passámos alguns anos na Guiné-Bissau. Ele foi dispensado como professor na Universidade de Bielefeld [oeste da Alemanha] e colaborou alguns anos com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP). E eu trabalhei lá com a literatura da Guiné-Bissau – para mim, foi uma descoberta muito cativante.

DW África: Esse amor pela Guiné-Bissau levou-a a si e ao seu marido a utilizar os meios eletrónicos para manifestar uma certa preocupação com o que se passava naquele país…

MPA: Já fizemos isso outras vezes, também durante o maior conflito, [a guerra civil] de 1998 e 1999. Lançámos um SOS mundial e, na época, houve muitas manifestações de solidariedade. Foi na sequência desse engajamento que não nos conseguimos conformar com a não realização da segunda volta em 2012 e tivemos medo que houvesse outra conturbação como a de 1999.

DW África: De lá para cá, que mudanças houve?

MPA: Talvez até tenha mudado para pior. Depois da convulsão de 1999, o país desintegrou-se, culminando com esse golpe de dois anos, que espero que realmente tenha terminado agora. Mas gostaria de separar a conturbação política (e os reflexos negativos dessa conturbação fora da Guiné-Bissau) do povo. O povo guineense é maravilhoso. Apesar de todas as dificuldades e decepções, continua a ter a sua vida normal. Há sempre uma quantidade enorme de pequenas iniciativas.

DW África: E é esse povo que está esperançoso nestas eleições que têm lugar agora e que deverão projetar o desenvolvimento socioeconómico da Guiné-Bissau.

MPA: Exatamente, é bastante positivo ver que, dos eleitores que estavam registados, só 10 por cento se abstiveram de votar. Isso mostra realmente como o povo está interessado e engajado numa mudança.

A esperança é algo que o guineense nunca perdeu – a esperança de que outros ventos soprarão, que voltará a reinar a paz no país e que, pelo menos, algumas reformas estruturais conseguirão ser realmente executadas; que a educação e a saúde sejam levadas mais a sério e esse novo Governo realmente possa governar em paz, deixando a sociedade civil participar.

DW África: Embora seja um país com muitos problemas…

MPA: Sim, os maiores problemas são a corrupção e as questões da saúde e da educação.

DW África: Li a tese que fez, em que falava do “desafio do escombro”, em relação à Guiné-Bissau. Esse desafio é possível hoje?

MPA: Acho que sim. É um “desafio do escombro”, porque o país está em escombros. Mas o país levanta-se. Havia um slogan num cartaz que falava de Bolama, a primeira capital, que dizia: “Bolama cai mas não morre”. A Guiné-Bissau cai mas não morre. Cai muitas vezes mas levanta-se sempre e isso vê-se na literatura – a literatura guineense é muito participante, muito viva, apesar da muita dor e decepção. Um dos livros de que mais gosto é do Tony Tcheka [escritor e jornalista guineense] e chama-se “Noites de insónia na terra adormecida”. Isto é, os problemas da Guiné-Bissau causam muitas insónias, a terra talvez esteja adormecida ou anestesiada de alguma forma, mas é uma terra que sempre se pode levantar de novo.

Há um poema do Tony de que gosto muito mostrando os dois lados: “Guiné / é um grito / saído de mil ais […] Guiné somos todos mesmo depois da / esperança”. É essa sensação de que a esperança não morre, que mesmo depois da esperança que caiu e morreu, voltam novas esperanças – tentar recomeçar com esse novo Governo depois desses dois anos de muitas sombras e decepções. A Guiné foi para trás. Acho que desde a convulsão de 1999 que a Guiné-Bissau está cada vez mais a ir para trás com esses problemas tremendos de drogas, interferências militares, muitos assassinatos. Que isso passe.

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