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200 anos de Karl Marx: O legado em África

Martina Schwikowski
5 de maio de 2018

Filósofo alemão teve grande influência nos movimentos de libertação, com muitos Estados a declararem-se marxistas, após a independência. Hoje, restam memórias e monumentos.

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Estátua de soldados comunistas etíopes em Addis AbebaFoto: DW/J. Jeffrey

No campus da Universidade de Addis Abeba, a capital da Etiópia, ergue-se uma estátua de Karl Marx em pedra avermelhada.

O filósofo alemão, autor de obras como "O Capital", que lançou as bases da expansão mundial do comunismo, nasceu em Trier, a 5 de maio de 1818.

Em 1975, o regime de Derg (abreviatura de Comité de Coordenação das Forças Armadas, Polícia e Exército Territorial, uma junta militar comunista) declarou a ideologia do Estado marxista-leninista. Até hoje, espaços públicos e museus servem de recordações do regime comunista na Etiópia.

"O regime de Derg foi uma ditadura brutal de retórica marxista", diz Michael Jennings, do Centro de Estudos Africanos e Orientais da Universidade de Londres. O pensamento de Karl Marx foi usado sobretudo para instrumentalizar a justificação da revolução.

Karl Marx
Retrato de Karl Marx em 1875Foto: Friedrich-Ebert-Stiftung/AdsD/dpa/picture alliance

Outros pensadores africanos aspiraram a reformas políticas baseadas no modelo do socialismo europeu, especialmente o fundador da Tanzânia, Julius Nyerere. Na sequência da independência do Reino Unido, em 1961, e com a ajuda da política Ujamaa (um conceito suaíli que em português significa "como uma família"), tentou forçar a independência económica. O socialismo africano destacou-se principalmente na Tanzânia, onde se consolidou até aos anos 1980, lembra Jennings.

Ainda hoje, na ilha de Zanzibar, ao largo da costa da Tanzânia, há blocos de apartamentos que foram construídos como "habitações modernas" para aproximar os residentes às vantagens do socialismo. Os edifícios pré-fabricados foram uma oferta da antiga República Democrática Alemã (RDA), fundada na teoria marxista.

Cerca de 30 anos após a extinção da RDA, ainda há interesse nestes apartamentos. Deixaram de ser gratuitos para serem negociados no mercado imobiliário capitalista. 

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Estudantes, investigadores e funcionários da Universidade Karl Marx (Leipzig, RDA) num evento para assinalar o 30º aniversário da fundação do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), em 1986.Foto: Bundesarchiv/183-1986-1210-041

O socialismo das elites

O que é que ficou da ideologia socialista em África? Desde a queda do socialismo europeu que não há rasto dela, diz Ahmed Rajab, especialista em assuntos africanos em Zanzibar.

"As pessoas estão mais interessadas no progresso real do que numa ideologia que esteja de acordo com o socialismo", diz o analista em entrevista à DW. E isto não é uma surpresa: "Quase não há socialistas africanos que sigam os modelos de socialismo propagados anteriormente na Europa. Só alguns africanos entendem o que Marx significa".

Foram as elites africanas, em particular, que adoptaram o socialismo. Muitos tinham estudado nas capitais dos países colonizadores e na União Soviética. Regressaram, nos finais dos anos 1950, cheios de ideais e empenho. "Dessa forma, o socialismo desempenhou um grande papel na libertação dos países africanos", diz Jennings. "Muitos países foram apoiados nesta luta pela União Soviética e organizações de esquerda da Europa".

Julius Nyerere erster Präsident Tansania
Julius Nyerere e Léopold Sédar SenghorFoto: Getty Images/AFP

O papel do marxismo nos movimentos de libertação foi, no entanto, limitado. "Havia movimentos africanos de libertação influenciados por Marx, mas para o desenvolvimento do socialismo africano já não foi tão importante como na Europa", afirma.

Nyerere, da Tanzânia, não foi o único socialista africano. Kenneth Kaunda, na Zâmbia, Kwame Nkrumah, no Gana, Leopold Senghor, no Senegal, Modiba Keita, no Mali, Mathieu Kerekou, do Benim e Sekou Torué, da Guiné-Conacry, foram alguns dos maiores defensores da ideologia, com o seu cunho pessoal.

Em Angola e Moçambique, a ideologia socialista ganhou terreno em 1974, depois da queda do regime ditatorial, em Lisboa. O comunismo – com o apoio do então Bloco de Leste – impulsionou a resistência armada contra os dissidentes internos.

Socialismo europeu VS Socialismo africano

04.05 Legado de Marx em África - MP3-Mono

Na Europa, o socialismo baseou-se na luta de classes, com trabalhadores e agricultores contra a burguesia. Em África, não havia uma indústria forte ou uma força de trabalho organizada. As terras de cultivo eram geridas pelos líderes tradicionais.

"Em África imitámos a ideia europeia do socialismo e chegámos a um sistema social muito diferente", diz Rajab. Foi um grande erro esperar o simples "transplante" do modelo europeu para um continente com outras condições sócio-económicas. E oss socialistas africanos não poderiam esperar apoio do Ocidente durante a Guerra Fria. "O Banco Mundial financiou muitos projetos, mas não o desenvolvimento de Estados socialistas", lembra Jennings.

Se algo ficou da ideologia socialista, são as ideias da igualdade dos cidadãos e da propriedade colectiva, diz o especialista. "Mas também há a percepção de que África está longe de implementar estas ideias na prática", acrescenta.

Nos anos 1970, a realidade era outra: países como a Tanzânia eram rigorosos nas aspirações a uma visão socialista, mas isto acabou por se traduzir mais em obediência do que em princípios sociais. O estado autoritário é provavelmente o maior legado do socialismo no continente africano.