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Nosso Banco: Ernesto Gove acusado de negligência

Nádia Issufo
8 de dezembro de 2016

Em Moçambique, o caso Nosso Banco ainda causa indignação. Juristas defendem investigação ao ex-governador do Banco Central, mas não acreditam numa ação judicial por estarem envolvidas figuras ligadas ao poder político.

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Edifício do Banco de Moçambique em construçãoFoto: DW/J.Beck

A situação financeira decadente do Nosso Banco seria do conhecimento do Banco Central já em setembro de 2015, segundo um relatório realizado pelo departamento de supervisão prudencial do Banco de Moçambique. Esta informação foi avançada recentemente pelo jornal moçambicano Canalmoz, que cita o documento intitulado "Relatório de Inspeção ao Departamento de Crédito do Nosso Banco".

Pinto Fulane e Ciélia Massinga terão sido os inspetores deste processo. Entretanto, só um ano depois que é publicamente conhecido o estado de saúde do Nosso Banco. Os gestores séniores do Banco Central, sob a batuta de Ernesto Gove, terão optado pelo silêncio.

Ericino de Salema, jurista moçambicano, tece críticas ao ex-governador: "Há indícios de ter-se furtado aos seus deveres enquanto governador do Banco de Moçambique. Se não fê-lo por ação fê-lo por negligência. Na minha opinião devia ser aberto um processo para que ele fosse investigado e que tivesse a oportunidade de se defender, visando o esclarecimento da verdade dos factos. Parece ser grave o que não foi feito, ou que foi feito por omissão de um dever."

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O INSS canaliza reformas dos trabalhadores para um fundo de pensões. Tem 77% das ações do Nosso BancoFoto: DW/S.Lutxeque

Elite política como provável devedora

O que ainda não foi divulgado oficialmente é quem são os maiores devedores. É que os problemas financeiros podem estar associados às dívidas concedidas de forma irresponsável, segundo o relatório do Banco de Moçambique citado pelo Canalmoz. De lembrar que os principais acionistas são instituições públicas, o INSS, Instituto Nacional de Segurança Social, e a EDM, Eletricidade de Moçambique. A SPI - Gestão de Investimentos, uma sociedade ligada à elite do partido no poder, a FRELIMO, é outro acionista. 

O jurista Gilberto Correia está certo de que os nomes dos devedores poderão ajudar a desvendar o mistério em volta da origem da crise no banco. Ele recorda que "a diretora da supervisão bancária diz que para além do fundo de garantia vão cobrar os créditos mal parados. Significa que este banco foi recapitalizado com fundos públicos várias vezes para cobrir rombos derivados de créditos mal parados. Já se falou de tudo, mas o que nem o Banco de Moçambique e ninguem disse é quem são essas pessoas que não deram garantias para que esse crédito fosse recuperado."

Por isso ele diz: "Então, se formos a buscar essa lista perceberemos porque o Nosso Banco falou e porque o INSS o recapitalizou. Já aconteceu com outros bancos em Moçambique e com fundos de tesouro, quando vamos ver os nomes envolvidos verificamos que são de uma elite política que quase não tem controlo."

"O barão da droga" ainda dá que falar

Mas o relatório do Banco Central refere a Momed Rassul, comerciante de Nacala, como um dos maiores devedores. Acredita-se que este seja parente do comerciante Mohamed Bashir, considerado barão da droga por Washington. Bashir, que viu bancos com participações internacionais fecharem-lhe as portas, viu-se obrigado a optar por bancos com participações nacionais e seria um dos principais clientes do Nosso Banco. Porém outros nomes são omitidos no relatório considerado confidencial.

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No país não há muita confiança no sistema de justiçaFoto: Imago

Correia não acredita que haja vontade de levar o caso a justiça "devido ao tráfico de influências, que tem raízes políticas em Moçambique. Os mecanismos de check and balance do Estado de Direito só funcionam para o peixe miúdo. Sempre que estiverem associadas influências graúdas, essa perversão que envolve a junção da política com negócios escuros muito em voga em Moçambique, nenhum dos órgãos de controlo funciona e nem tem força para tal. Note que a PGR ainda não falou nada, como se não houvesse milhões de cidadãos e como se não houvesse indícios de crime."

Esforço em enterrar o caso rapidamente?

Em Moçambique, o governador do Banco Central e a Procuradora Geral da República, tal como a maioria dos cargos relevantes nos órgãos decisórios, são indicados pelo Presidente da República. São considerados cargos de confiança política e por isso há poucas expetativas sobre ações imparciais.

Por outro lado, o Nosso Banco reembolsou quase metade do valor previsto aos depositantes, de acordo com o Banco Central. Cerca de sete milhões de meticais (o equivalente a 90 mil euros) dos 15,6 milhões previstos (200 mil euros) foram pagos, abrangendo porém apenas 17% dos 5.116 elegíveis. O facto acontece cerca de um mês depois do anúncio da sua liquidação. Uma rapidez que merece uma apreciação de desconfiança por parte de Ericino de Salema: "Parece que [o Banco Central] está a tentar devolver os dinheiros para cedo o caso passar para a história."

08.12.16.BC Moc. ONLINE - MP3-Mono