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Plano B - parte 2 - Grécia: alternativa é comércio de troca e trabalho voluntário

16 de março de 2013

Agrónoma desempregada usa troca de mercadorias para sobreviver sem perder nível de vida. Médico dá atendimento gratuito a dezenas de gregos que sofrem com crise. O "Contraste" apresenta o "Plano B" da crise europeia.

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Plano B na Grécia
Plano B na GréciaFoto: DW/A. Binder

Em vários países da Europa, a crise financeira internacional levou a desemprego e frustração em meio à população.

A profissão de médico, na verdade, é considerada segura e resistente a crises econômicas e financeiras. É que as pessoas ficam sempre doentes, independentemente de períodos de recessão.

Mas, na Grécia, quem está doente é o sistema de saúde. O Estado não investe num sistema já decadente. Os pacientes não conseguem pagar os médicos, e muitos dos doentes perderam o seguro saúde com a crise da dívida que afeta a Grécia há pelo menos três anos.

Além disso, os jovens médicos não encontram emprego, já que os hospitais públicos não contratam mais. Michalis Charalampidis, de 33 anos, é um médico desempregado – mas ele não ficou sem trabalho.

Trabalho demais, café a menos

A espuma de leite já não está firme e o resto ficou grudado na beira da xícara. Esta é mais uma tarde em que Michalis Charalampidis não consegue tomar o seu amado café frapê, típico da cidade de Thessaloniki, a segunda maior cidade da Grécia.

Plano B - parte 2 - Grécia: alternativa é comércio de troca e trabalho voluntário

O jaleco do jovem médico voa enquanto ele corre entre a sala de atendimento, a farmácia e a sala de espera do consultório. É cedo – alguns minutos depois das nove da manhã – mas todos os assentos de couro da sala de espera estão ocupados.

Uma mulher elegante, que aparenta ter cerca de 40 anos, está sentada ao lado de um jovem vestindo um casaco com capuz. Um velho senhor está do lado, o olhar baixo. As tábuas do chão rangem a cada passo que se dá. São passos anônimos. Porque quem procura ajuda aqui tem vergonha.

Sem remuneração

Mesmo assim, o número dos pacientes que vêm ao consultório aumentou com a crise. "É quase o triplo de pessoas que procuram tratamento médico", constata Michalis Charalampidis, que atende três vezes ao dia num apartamento antigo de cinco quartos em Thessaloniki.

É nesse consultório no centro da cidade que a organização não governamental Praksis tem uma policlínica desde 1997. Além dos médicos, também há psicólogos e assistentes sociais que oferecem ajuda aqui. Apenas um terço da equipe tem emprego fixo. A maior parte trabalha como voluntário, sem remuneração. Como Charalampidis.

Existem tratamentos de canal para os dentes, exames de sangue, comprimidos para dor de cabeça e injeções de cortisona. É tudo grátis. Por causa da crise econômica e financeira, o cotidiano da policlínica mudou.

Porém, diz Michalis Charalampidis, o trabalho "fica cada vez mais difícil porque falta dinheiro. Antigamente, recebíamos muitas doações de medicamentos. Mas agora quase ninguém mais faz doações".

Mais gregos procuram ajuda gratuita

O caixa do consultório está vazio. Mas a sala de espera está mais cheia. Antigamente, eram principalmente imigrantes e refugiados que vinham para cá. Hoje, muitos gregos estão sentados à espera de atendimento. Grande parte deles ficou pobre por causa da crise. Estão a ponto de ficar sem teto.

A ONG Praksis trata pacientes gratuitamente na Grécia. Michalis Saralampidis não recebe salário
A ONG Praksis trata pacientes gratuitamente na Grécia. Michalis Saralampidis não recebe salárioFoto: DW/V.Kern

Mesmo gregos que ainda têm um seguro saúde vão à farmácia para descontar as receitas de medicamentos, segundo observa Marcela Kafetsios, recepcionista voluntária. "Todos os dias, recebemos novos pacientes que ouviram falar da nossa oferta. Abro fichas novas todos os dias. Isso quer dizer que existem muitas pessoas que precisam de ajuda. Isso tem relação direta com a crise".

Durante a tarde, um cheiro de mofo domina a sala de espera. O odor é de suor velho, de roupas encardidas. Alguém abre a janela – discretamente, para que o homem sentado em meio aos outros pacientes não se sinta mal.

Este paciente parece ter cerca de 60 anos de idade. Na verdade tem aparência bem cuidada: uma jaqueta de veludo bombazina, um colete de tricô, a barba cinzenta está decentemente aparada. Apenas o cheiro forte revela a situação do senhor – sem teto.

Michalis Charalampidis puxa a cadeira para mais perto. O médico de 33 anos não pode dar auxílio prático ao paciente, cuja depressão é profunda ou avançada demais. Mas, pelo menos, ele consegue dar ao paciente a sensação de não estar totalmente sozinho no olho do furacão. "Um motivo importante para eu estar aqui é que eu amo o meu país e todas as pessoas que vivem aqui. É o mínimo que posso fazer neste momento, para ajudá-los", explica.

Tentação de deixar Grécia endividada

O jovem médico confessa já ter pensado em sair da Grécia. É que também o segundo trabalho de Michalis Charalampidis, num hospital público, não é remunerado. No hospital, o médico trabalha como assistente no departamento de Clínica Médica. Charalampidis não tem salário nem contrato. Na verdade, ele está desempregado. Consegue trabalhar cinco dias por semana, o trabalho é até demais. Mas ele só consegue se manter porque os pais o apoiam financeiramente. "Espero que o que estamos passando aqui termine logo. Acredito num futuro melhor", diz.

O médico de 33 anos tem esperança de sair da crise e não pensa mais em deixar a Grécia
O médico de 33 anos tem esperança de sair da crise e não pensa mais em deixar a GréciaFoto: DW/V.Kern

Michalis Charalampidis é um grego que acredita no próprio país. E, enquanto as coisas não melhoram na Grécia endividada e dependente de programas de austeridade e ajuda estrangeira, a xícara de café do médico parece que vai ficar entre as atas dos pacientes – intocada.

Vida digna com criatividade e empenho

A crise europeia fechou as portas das lojas em Thessaloniki, segunda maior cidade da Grécia
A crise europeia fechou as portas das lojas em Thessaloniki, segunda maior cidade da GréciaFoto: DW

Nadia Kalogeropoulous está desempregada há mais de dois anos. Ela faz parte das estatísticas que dão conta de que um quarto da população grega está desempregada. Entre os jovens, o número sobe: metade da juventude grega estaria desempregada.

Mas a casa de Nadia parece não ter sido atingida pela crise. Trata-se de um apartamento de três quartos no centro de Thessaloniki, com móveis da empresa sueca Ikea, acessórios vintage e flores frescas.

A casa de Nadia nada tem de pobre. A geladeira está cheia. Tudo está em ordem. A jovem está sentada no sofá da sala, toma um suco de laranja fresco e gesticula com as mãos impecavelmente tratadas enquanto fala.

Nadia perdeu o emprego de economista agrícola há dois anos e meio. Não conseguiu emprego desde então – nem bem pago, nem mal pago.

A jovem não recebe seguro desemprego. Mora com a irmã, num apartamento que os pais compraram – antes da crise. Também Nadia tem uma casa própria, que ela aluga. Os 150 euros que recebe do aluguel do próprio apartamento dão para cobrir despesas básicas: eletricidade, gás, água.

Pobreza traz riscos em caso de doença

Ao mesmo tempo, Nadia não tem dívidas, possui algumas economias. Mas a crise torna a vida arriscada. Uma doença grave ou um acidente seriam fatais, diz: "Eu tento me manter saudável, como de forma saudável e tomo conta de mim. Se eu ficasse doente, teria que pagar. Isso seria muito difícil. Há cerca de três anos, não tenho plano de saúde."

Muito tempo e pouco dinheiro. Nadia tenta tirar o melhor da situação. Todos os dias da semana têm uma estrutura clara. Nadia se dedica a vários projetos. Pelo menos uma vez por semana, ela trabalha numa mercearia alternativa.

Nadia Kalogeropoulous consegue manter o nível de vida com troca de mercadorias em vez de dinheiro
Nadia Kalogeropoulous consegue manter o nível de vida com troca de mercadorias em vez de dinheiroFoto: DW/V.Kern

A SPAME compra produtos dos agricultores da região, sem intermediários. Por isso, produtos básicos como arroz e óleo ficam muito mais baratos. A loja SPAME não obtém lucros e nenhum dos empregados recebe dinheiro – nem Nadia. Mas ela diz: "Eu não posso parar de viver porque não tenho dinheiro. Então eu tento fazer o que quero – sem dinheiro".

Dinheiro perdido, nível de vida mantido

O estilo de vida de Nadia parece ter mudado, mas seu gosto e suas necessidades não. A alternativa é comércio de troca. Às vezes, Nadia consegue algum produto da SPAME em troca de algumas horas de trabalho, um pacote de queijo de cordeiro, por exemplo. Ao vendê-lo, consegue dinheiro para pagar as aulas de ioga.

Nadia negocia – sem dinheiro. A jovem fez uma reforma radical no armário. Trocou t-shirts, casacos de lã e calças jeans em vários basares. Na internet, Nadia virou moderadora de um fórum do site chamado Freecycle.org. Também este trabalho não dá dinheiro a Nadia. Mas, pelo site, ela conseguiu encontrar um cozedor de água novo e uma decoração bonita para a sala de estar. 

Passar conhecimento do "mundo grátis" adiante

Numa casa do tipo Jugendstil (Arte Nova) – estilo arquitetônico e de design do início do século XX em países europeus – no centro de Thessaloniki, existe um mundo à parte. A casa se chama Micropolis, ou "cidade pequena". E, nesse mundo, tudo é grátis. Mas todos os que vêm para cá assumem um compromisso, dão algo em troca. Nádia trabalha todas as terças-feiras, no terceiro andar da chamada Casa de Cidadãos para Cidadãos. "Fazemos sabão a partir de azeite usado, damos um curso gratuito. Qualquer pessoa pode vir e aprender como fazer sabão feito à mão".

Nadia trabalha quase todos os dias, mas não recebe dinheiro, e sim mercadorias, pelo trabalho
Nadia trabalha quase todos os dias, mas não recebe dinheiro, e sim mercadorias, pelo trabalhoFoto: DW/V.Kern

Aposentados, estudantes e famílias – todos são benvindos à Micropolis, especialmente agora, em tempos de crise. Mas a Micropolis também é um modelo para uma nova sociedade, na qual as pessoas repensam a própria vida, com autodeterminação e escolhas próprias. Porque, como diz Nadia Kalogeropoulous: a dignidade não tem relação com dinheiro.

Autores: Vera Kern / Christoph Riking / Renate Krieger
Edição: Johannes Beck

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